sexta-feira, 3 de abril de 2015

REPORTAGEM COM ROTEIRISTAS POTIGUARES




EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas especificidades.


BIOGRAFIA:

Historiador em formação e roteirista de quadrinhos. Seu primeiro trabalho junto com o desenhista Wendell Cavalcanti, a história curta “Lembranças amargas” com o personagem Cajum foi publicada na Prismarte № 55, e recebeu o Troféu P.A.D.A. de melhor historia em 2012. Participou da coletânea internacional Máquina Zero (indicada a dois prêmios HQ MIX em 2014), capitaneada pelo coletivo Quadro – a –Quadro, com a história Kaur, estrelada pela guerreira Sikh Naara Kaur. Atualmente escreve quadrinhos institucionais enquanto cria outros projetos com Wendell Cavalcanti e outros colaboradores.



ENTREVISTA:


1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?

    Paixão. Me alfabetizei lendo quadrinhos, ler quadrinhos é uma paixão. Colecionar uma tara. Escreve-los um tesão. Devo ser um dos seus poucos entrevistados (talvez o único) que não escreve crônicas, críticas, poesia, roteiros para cinema e peças teatrais. Eu mantinha antigamente um blog onde fazia criticas sobre filmes, HQ, livros, e o parei para exclusivamente escrever Quadrinhos.

     Apesar de há anos manter um projeto pessoal, um romance de fantasia que talvez nunca publique, toda a minha dedicação além dele vai para ser roteirista de quadrinhos, em vez de ser “um escritor de verdade” (já ouvi essa triste afirmação até no nosso meio).

2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?

     Li muitos quadrinhos infantis em que hoje só lembro dos personagens, como “A turma do Gordo”, “Bolinha”, “Luluzinha”, “A turma do Arrepio”, “Agente Cãofidencial” e os trapalhões da Abril. Na infância, as primeiras HQs que me marcaram foram uma TEX (“o homem serpente”, nº 245, GLOBO), um Albúm do Rango do Edgar Vasques (L&PM, saíram 7, não sei qual deles que li) e uma SUPERAVENTURAS MARVEL (nº 49, ABRIL) em que o Demolidor tem uma noite de cão e os X-men enfrentam o Arcade.

     Na adolescência continuei lendo quadrinho de super-heróis, faroeste e nacional, mas acabei me tornando também um aficcionado por terror devido as saudosas locadoras de VHS. Como comprava muito em sebo por não ter muito dinheiro acabei tendo ótimas descobertas que enriqueceram ainda mais minha Gibiteca: Calafrio, Chiclete com banana, DC 2000 (com o homem Animal de Grant Morrison, o Xeque-Mate de Paul Kuppeberg e  a L.E.G.I.Ã.O. do Bill Mantlo e Keith Giffen), A espada selvagem de Conan, Fantasma, Geraldão, O Homem-Aranha,  O incrível Hulk, Ken Parker, Kripta, Liga da Justiça (que eu comprava só por causa do Esquadrão Suicida), Monstro do pântano, Mister No, Novos Titãs, Piratas do Tietê, A teia do Aranha, Zagor.  

3 – Então, observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.

     Foi só na juventude que eu comecei a ler o tipo de quadrinho que eu prefiro escrever hoje, as novelas gráficas (Graphic novels). Na adolescência eu achava que ia escrever grandes sagas intermináveis (e escrevia em meu caderno) como as que lia. Hoje eu não tenho paciência para isso, nem confio em quem tenha! O que eu desejo escrever são justamente o que você me perguntou: Histórias. Não tenho a pretensão de ser um artista dos quadrinhos ou um poeta. Sou roteirista de quadrinhos.

      Quando alguém me mostra um quadrinho que produziu e diz “não sou um quadrinista, sou escritor” ou “não sou desenhista de quadrinhos, sou artista plástico” nem me dou ao trabalho de conferir o seu material. Acho um pedantismo canalha desnecessário ao meio. Quero contar uma história. O que me interessa é se minha história tocou alguém de algum modo, se o que eu escrevi entreteu o leitor.

       Gostaria de futuramente poder trabalhar a sexualidade dos personagens, discutir sobre os papéis de gênero, e questionar os mitos sobre a paternidade, familia e amizade. Temas que só pude tratar bem por cima no que já escrevi.

4 – Muito bem, gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito  e que nem sempre são temas muito faceis de serem abordados e aceito pelo grande público leitor?

     Eu basicamento vou anotando diálogos que eu tenho e idéias que vão surgindo. Dessa colcha de retalhos as vezes sai uma história. Acho que certos dialogos e certas narrativas vão bem em qualquer gênero. Não tem essa de enquadramento tal não serve para Terror, ou pose tal só serve para Faroeste! Meu argumento é geralmente bem bagunçado, e eu mexo muito nele até depois que ele vira roteiro e vai para a mão do desenhista.

     Com relação a temas delicados eu tento ter tato, pois as vezes o que você escreve como uma crítica (ao preconceito, a desigualdade social, etc), acaba sendo interpretado como apologia ou homenagem quando o autor não tem a devida sensibilidade ao elaborar a idéia.

5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de seus roteiros?

     Não, não possuo tal pretensão. As vezes o “como” se conta a história é o diferencial, mas de modo geral o que me interessa na HQ são os personagens, nem tanto a arte ou o design dela.

 6 – Essa pergunta é cabciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo principal?

     Não acredito nesses rótulos. O Alan Moore consegue fazer um trabalho dito “alternativo” com a tiragem de uma obra comercial. Ser independente só significa, principalmente no Brasil, que você tem tiragem baixa e rala para conseguir vender seu material. Eu acho que um artista só tem uma liberdade de criação completa quando ele escreve, edita e publica tudo do próprio bolso, se não sempre haverá censura, as vezes do próprio autor. E se a pessoa realmente não quer um público consumidor, acho que ele não deve nem ter o trabalho de escrever nada.

7 – Muito bem, considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?

     Se não for um quadrinho institucional, não tenho nenhuma perspectiva. Não temos muitas editoras aqui no nordeste (e no Brasil) interessadas em lançar quadrinhos nacionais, e basicamente fora os quadrinhos institucionais você só tem como lançar algo se não for do próprio bolso via editais. E escrever bem um quadrinho não te habilita a escrever bem um edital, e vice-versa, o que gera algumas aberrações saindo por leis de incentivo a cultura.
     Quanto ao mercado de quadrinhos potiguares ele é inexistente. Aqui. Com exceçãos de alguns dinossauros da minha geração, o leitor de quadrinhos médio potiguar só tem interesse por super-heróis e/ou mangá. Há até um público novo que lê quadrinho nacional, mas só compra material HYPE escrito por essa nova onda de publicitários que acha que sabe fazer quadrinho. Já vendi mais meus trabalhos autorais em eventos fora daqui e por correio do que em eventos dentro do estado.

8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?

     O que realmente me surpreendeu e continua a me surpreender são o Rodrigo Brum e o Mario Rasec,  com trabalhos bem diferentes. Mas incluo ambos nas melhores tiras feitas atualmente no país.

9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?

     Bem, vou considerar apenas os roteiristas que fizeram histórias com começo, meio e fim, se não repetiria nomes  da outra pergunta, e vou ficar com quem realmente eu li e me empolguei recentemente.

Joseniz Guimarães – Se ele usasse fotonovelas em vez de desenhar saia do mesmo jeito. Gosto do que ele escreve, apesar da arte, como ele humildemente assume, não ser das melhores.

Wagner Michael – Assim como o Jozeniz, ele melhora a cada novo trabalho. Apesar de ele ser bem melodrámatico, gosto de como ele trabalha o saudosismo e a nossa Nata, a cidade do sol, em suas histórias.

Milena Azevedo – Mais melodramática ainda que Wagner, os textos de milena são de querer cortar os pulsos. Mas há beleza até na tristeza, coisa que a maioria das pessoas prefere negar.

10 – Não precisa dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas  fora essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria de escrever?

     No momento estou trabalhando com Wendell Cavalcanti, meu parceiro de velha data num albúm sobre A boca do Lixo. A histórias se passa nos anos sessenta, quando “a saída do artista potiguar era a rodoviária”, e acompanha três jovens potiguares tentando a sorte em São Paulo, na época a capital do cinema e aonde ficavam as principais editoras de quadrinhos do país. O albúm é focado na amizade e amadurecimento dos personagens durante os eventos e fatos que mudaram o país: O cinema novo e o cinema marginal, as leis de incentivo ao quadrinho e ao cinema nacional, a ditadura, etc.
     Estou desenvolvendo também o roteiro sobre uma Patrulha Estelar bem semelhante a Legião Estrangeira francesa que se passa séculos no futuro, uma ficção cientifica com uma pegada Belle Epoque (só para contrariar os babaovos do Steampunk) aonde os humanos são apenas uma raça subdesenvolvida da periferia. Nesse albúm estou trabalhando sobre temas mais delicados do jeito que só a ficção cientifica permite, como já bem disse o Gene Rodenberry (criador de star Trek).



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