O MÁGICO

Confira essa nova animação do diretor de Bicicletas de Belleville.

BALADA DO AMOR E ÓDIO

Confira nossa crítica sobre o mais novo filme do cineasta espanhol Álex de la Iglesia.

FRIDA KAHLO EM SEIS SENTIDOS

O projeto de extensão “cores” nos convida inicialmente a um espetáculo sobre a vida da artista plástica, mexicana, Frida Kahlo.

ARTEROTISMO - UM CONVITE

Gente! Ontem eu fui ao evento #OqueDjaboÉIsso, onde tive o prazer de assistir ao ótimo espetáculo "As cores avessas de Frida Kahlo"...

"A CULPA É DA SOCIEDADE"

A sociedade é culpada: Esse foi um entre outros discursos gritados nesses dias que sucederam a “tragédia do realengo”...

terça-feira, 29 de maio de 2012

Uma História Sobre o Amor




Por Vitor Hugo

Capítulo 1 - Espirais do amor

Essa é uma história contada por alguém que não sabe contar histórias. Escrita por alguém que não domina a língua que fala e que não tem talento nenhum pra criar qualquer coisa que seja. Por isso, posso lhe garantir que tudo que será exposto é real. Desde o homem que usava uma caneta como martelo até o sapato que não queria tocar o chão.
            Essa é a história de um homem. Um homem cuja vida era algo sem azeite. Seu nome era Pedro Paulo, conhecido como Zé Pelintra, o pobre dono da fábrica de espirais Cadernos Enxutos.
            Não existem outras fábricas de espirais em todo o planeta. Geralmente os espirais dos cadernos são feitos nas próprias fábricas de cadernos. Pedro Paulo achou que seria um grande negócio ter uma empresa especializada apenas nos espirais. Então você já deve ter deduzido o porquê da pobreza de Pedro Paulo.        
Na Cadernos Enxutos trabalhavam três pessoas: Pedro Paulo (o dono), João Júnior (o amigo do dono) e Fulano (nome fictício dado a esse personagem pouco importante na história). Eles derretiam o plástico numa frigideira aquecida a exatos 134 graus Celsius e depois o moldavam no formato de espiral numa máquina chamada Saco de Batatas, criada por Fulano nos anos de sua mocidade.
Conhecidos na região onde viviam como "os três patetas", tinham o sonho de conseguir construir a primeira empresa de espirais fora do planeta terra. Mas como a história se passa no ano de 1985 é sabido que isso nunca iria acontecer.
          Tudo acontece em algum lugar no Sul do Equador. Desculpem-me só citar isso agora, mas é que o lugar é de pouca importância. Na verdade eu resisti bastante antes de resolver dar a localização de onde a história acontece, já que alguns dos personagens ainda vivem por lá. Para não ficar vago, será dado um nome fictício também a cidade e ao bairro. Mas não será dado agora, porque antes é preciso descrever a aparência física de nosso protagonista.
Zé Pelintra (ou só Zé se você o conhecesse a mais de 46 segundos) tinha cabelos enormes que saiam de suas orelhas e era careca. Calçava 42, tinha olhos verde musgo e uma boca com lábios praticamente sem carne. Usava um belo par de óculos escuros sem as lentes e tinha uma tatuagem na altura das costelas. Era uma tatuagem especial que fez no aniversário de 8 anos de sua filha do meio. Um desenho em preto e branco de um pato cuidando de dois ovos de galinha.
Zé (ou só Ele se você for o narrador da história) não se divertia muito. Dizia para as pessoas que só tinha duas coisas que gostava de fazer: A primeira era comer carne de porco, com bastante gordura, enquanto assiste a vídeo aulas de tai chi chuan. E a outra, era imaginar que um dia atenderia uma grande demanda de pedidos, em sua fábrica localizada em alguma parte de marte. Mal sabia Ele que no dia 25 de outubro de 1985, exatamente às 14 horas e 32 minutos, receberia uma noticia que lhe daria uma terceira forma de diversão.

[Continua... ]

terça-feira, 15 de maio de 2012

Noite de Arte!


Natimorto - Ceci n'est pas un film





Um conto claustrofóbico mostra a relação doentia de um casal de inominados, ambientado em meio a carpetes, papel de parede, fumaça de cigarros, café, luzes neon e rancores vomitados. Essa é a sinopse de Natimorto (2009), uma preciosa adaptação imagética do romance (O Natimorto – Um musical silencioso) do desenhista, escritor, ator e dramaturgo Lourenço Mutarelli
Narrado em primeira pessoa, o livro de linguagem teatral e personagens sem nome, mencionados por Mutarelli pelas alcunhas de O agente e A voz, constroem uma trama gerada inicialmente pela provável empatia entre fumantes, que se transforma e cresce cancerosamente a cada carteira de cigarros. No filme, Simone Spoladore (Lavoura Arcaica) faz o papel da Voz, uma cantora lírica (com a tecla de mudo precionada), o Agente, que não tem ação para nada, é interpretado de forma inocente pelo próprio Mutarelli.


Provocado pelas angustia da existência, o drama apresenta personagens insólitos. O enredo se estabelece a partir da peculiaridade desses personagens; o Agente tem a incrível habilidade de contar histórias e também de desenvolver teorias sem causa, ele traça um paralelo entra as mórbidas imagens impressas no verso das carteiras dos cigarros e os arcanos das cartas do tarô, criando a partir da interpretação das imagens anti-fumo previsões de como será seu dia. Acredita encontrar na Voz, uma jovem meiga, aparentemente vulnerável e arrogante, de talento apenas apreciado por ele, a companhia perfeita para dividir seus solitários dias em um quarto de hotel. Quando se apodera do conceito filosófico de Solidão, ele argumenta à Voz que a sociedade não é capaz de reconhecer o talento de ambos, o melhor seria “esquivar-se da sociedade, na qual, ao tornar-se numerosa, a vulgaridade domina”, como assim pensou Schopenhauer. 

A estética das cenas fazem referencias claras ao misticismo das cartas do tarô e se mesclam entre cortes, recortes e flashbacks, lembrando Aronofsky em seus primeiros trabalhos. O montador, Oswaldo Santana dá a dinâmica necessária pra que consigamos suportar a experiência de tantos minutos de conversas, hora angustiantes, hora persuasivas.  As narrativas em off feitas pelo músico Nazi dão o mesmo caráter subjetivo encontrado no livro. A bela fotografia de Lito Mendes nos trás cores cruamente contrastantes e uma ligeira granulação de ar intimista. A trilha minimalista, nesses filmes claustrofóbicos cria um clima surreal.  Tudo isso torna o filme desafiador e viciante como nicotina. 
Para o diretor Machline, Natimorto é “uma história de amor”, porém observamos de forma contraditória que o que menos se “enxerga” nas cenas do longa é aquele sentimento dotado de características sublimes que vemos nos romances, talvez algo mais platônico. De fato há um romance perturbador, uma novela de terror onde a solidão (na companhia de si mesmo) acaba por mostrar a subjetividade que por hora se esconde até de nós mesmos. O ato narcisista de se ver refletido não quer dizer se enxergar, pois, nisso só vemos a aparência comum a todos. Longe das aparências, no poço mais profundo de nossa existência que vemos o que realmente somos. Voltamos ao pensamento schopenhaueriano, em que "na solidão, onde todos se veem limitados aos seus próprios recursos, o indivíduo enxerga o que tem em si mesmo”. A história trata da transformação provocada pela descoberta do monstro que cada um tem dentro de si. Na solidão o homem vê seu monstro se revelar e crescer, como numa metamorfose Kafkiana.

Jeune fille mangeant un oiseau (Le plaisir)
Diante da descoberta do seu monstro interior, o Agente definha afogado em café e na fumaça de seus cigarros contempla sua própria insignificância. “Porque na solidão o mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o espírito elevado toda a magnitude de sua grandeza; em suma, cada qual sente aquilo que é,” - justificaria Schopenhauer. O Agente inveja o natimorto, que viveu uma vida intrauterina, sem ter sido obrigado a convivência na sociedade, morreu puro, tendo apenas a si. Inspirando-se na figura antifumo, o Agente mesmo sabendo que "fumar provoca impotência sexual", acende mais um cigarro e vai além... para se ver livre dos falsos prazeres do mundo, torna-se assexuado por opção, ou porque, o que vem do mundo não lhe excita. A presença lasciva da mulher, que demonstra pureza apenas em sua voz, desperta e provoca o desejo que ele repudia. Por isso “verte sêmen como se fossem lágrimas, chora pelo órgão reprodutor infecundo”, sem que ela nem sequer esteja presente, goza sua ausência. Mesmo que diferente, essa mórbida relação do casal, em certos momentos aparece tão sombria quanto em Anticristo (2010) de Von Trier e em outros momentos, tragicômica como em A Erva do rato (2008) de Júlio Bressane.


Não é uma superprodução, ou um grande filme, mas uma grande história, amparada por uma gama de recursos técnicos que asseguram a fidelidade e a qualidade de uma história bem contada. Como sabemos, há várias formas de se contar uma história e a adaptação cinematográfica que lhes apresento é sem dúvida uma das formas mais fiéis. Cheio de grandes referências filosóficas e artísticas, que vai da ironia de Baudelaire a Nietzsche. 
Realmente uma ótima releitura de Mutarelli, em seus diálogos instigantes, seu humor negro, sua maldade inteligente e bem destilada. Pode não parecer, mas tudo isso é sutilmente belo e grandioso. 
Natimorto, não é somente um filme, é arte, filosofia e psicanálise; não serve  como divertimento, embora provoque algumas risadas, duvido que alguma pessoa se distraia frente a ele e que saia ilesa após a experiência, digo, sem reflexões ou angustias. Um Musical Silencioso, uma atmosfera cancerosa e sufocante que violenta nossa consciência e suprime nossa paz. Não aconselho aos que forçosamente procuram a felicidade fora de si. 


Referências:
(Arthur Schopenhauer, in Parerga e paralipomena - Aforismos para a Sabedoria de Vida )


Trailer:


Acho que vale a pena, pra finalizar, um poema do Baudelaire que lembra muito a atmosfera do filme Natimorto.



O QUARTO DUPLO





Um quarto que parece um devaneio, um quarto verdadeiramente espiritual onde a atmosfera estagnante é ligeiramente tingida de rosa e azul.

A alma toma um banho de preguiça, aromatizada pelos pesares e o desejo. É algo de crepuscular, de azulado e de rosado; um sonho de volúpia durante um eclipse.

Os móveis têm as formas alongadas, prostradas, lânguidas. Os móveis têm o ar de que sonham; diríamos dotados de uma vida sonambúlica como um vegetal ou um mineral. Os tecidos falam uma língua muda como as flores, como os céus, como os sóis poentes.

Nas paredes nenhuma abominação artística. Relativamente ao puro sonho, à impressão não analisada, a arte definida, a arte positiva é uma blasfêmia. Aqui tudo tem suficiente clareza e a deliciosa obscuridade da harmonia.
Um aroma infinitesimal da mais original escolha, ao qual se mistura uma levíssima umidade, flutua nessa atmosfera, onde o espírito sonolento é embalado por uma sensação de estufas aquecidas.
A musselina chora abundantemente diante das janelas e diante do leito; ela se derrama em cascatas de neve. Sobre esse leito está deitado o Ídolo, a soberana dos sonhos. Mas como ela está aqui? Quem a trouxe? Que poder mágico instalou-se nesse trono de devaneios e volúpia? Que importa! Ei-la! Eu a reconheço.
São esses olhos cuja flama atravessa o crepúsculo; esses sutis e terríveis olhares que eu reconheço em sua assustadora malícia! Eles atraem, eles subjugam, eles devoram o olhar do imprudente que os contempla. Já estudei muitas vezes essas estrelas negras que comandam a curiosidade e a admiração.
Por qual demônio benevolente devo eu ter sido envolvido assim de mistério, de silêncio, de paz e de perfumes? Ó beatitude! Isso que nós chamamos geralmente de vida, mesmo em sua expansão mais feliz, nada tem de comum com essa vida suprema que, agora, eu conheço e saboreio minuto a minuto, segundo a segundo.
Não! Não há mais minutos, não há mais segundos! O tempo desapareceu; é a Eternidade que reina, uma eternidade de delícias.
Mas uma pancada terrível, fortíssima, ressoou na porta e, como nos sonhos infernais, pareceu-me que recebia um golpe de uma enxada no estômago.
E depois um Espectro entrou. É um oficial de justiça que vem me torturar, em nome da lei; uma infame concubina que vem exibir sua miséria e juntar as trivialidades de sua vida às dores da minha; ou então um jovem secretário de diretor de jornal que vem reclamar a entrega de um manuscrito.
O quarto paradisíaco, o Ídolo, a soberana dos sonhos, a Sílfide, como dizia o grande René, toda aquela magia desapareceu com o golpe disparado pelo Espectro.
Horror! Eu me lembro! Eu me lembro! Sim! Este chiqueiro, este ambiente de eterno desgosto está bem dentro de mim. Vejam os móveis burros, empoeirados, capengas, a lareira sem chamas e sem brasas, suja de escarros, as tristes janelas onde a chuva traçou seus sulcos na poeira; os manuscritos rasurados ou incompletos; o almanaque onde o lápis marcou as datas sinistras!
E esse perfume de um outro mundo, com o qual eu me embriagava com uma sensibilidade aperfeiçoada, ei-lo substituído por fétido odor de tabaco misturado a um mofo nauseabundo. Respira-se aqui, agora, o ranço da desolação.
Nesse mundo estreito, mas tão repleto de desgostos, um único objeto conhecido me sorri: a garrafinha de láudano; uma velha e terrível amiga, como todas as outras. Oh! fecundas em carinho e traições.
Oh! Sim, o Tempo reapareceu, o Tempo reina soberano agora; e com o horroroso velho voltou todo o demoníaco cortejo de Lembranças, de Arrependimentos, de Espasmos, de Medos, de Angústias, de Pesadelos, de Cóleras e de Neuroses.
Eu vos asseguro que os segundos agora são fortemente e solenemente acentuados e cada um saltando do pêndulo diz:
“Eu sou a Vida, a insuportável, a implacável Vida.”
Só há um Segundo na vida humana com a missão de anunciar uma boa nova, a boa nova que causa em cada um de nós um medo inexplicável.
Sim! O Tempo reina, ele retomou sua brutal ditadura. Ele me empurra, como se eu fosse um boi, com seu duplo aguilhão. “Eia Vamos, então, burrico! Sua então, escravo! vive, então, condenado!

(Pequenos poemas em prosa/Baudelaire, Charles)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Vergonha e Fome: A gênesis de um cineasta



Não ousei escrever uma "crítica" (como manda o figurino) do filme Shame (2011), que a princípio me pareceu uma mistura de David Fincher e Christopher Nolan (início de suas carreiras), um pouco pretensioso e ainda sem muita essência. Eu não sou boa falando de coisas que não me tocam profundamente. Escrever "mas" e "poréns" em excesso, que parecia o que ia fazer, não faz meu estilo. De qualquer maneira, achei o filme provocante, tanto que até vi em seguida seu antecessor, Hunger (2008) (muitos anos mofando no meu HD), na esperança de que me esclarecesse a proposta do cineasta calouro, Steve McQueen

Sem dúvida McQueen sabe o que está fazendo e usa bem as referências (Gaspar Noé e David Cronenberg) que tem consigo. Seu lado artista, se faz presente todo o tempo durante as cenas e ele brinca com cada enquadramento tornando seu filme uma espécie de ensaio fotográfico dos personagens. Usa temáticas fortes, mas as trabalha de um ponto de vista um pouco moralista demais. Precisei ver Hunger (2008), seu primeiro grande trabalho, para entender melhor seu trabalho, realmente fica nítido que se trata de um cineasta com talento e em processo... Seu cinema no geral é intimista e mesmo tão próximo, nada é oferecido de bandeja, você tem que conquistar a confiança do filme enquanto ele passa e só então ele se mostra. Isso me deixou intrigada e curiosa, sem falar nos personagens viscerais que se apresentam. 

O que parece ser mérito mais do ator, que do diretor, nesse caso. Ah, sobre ele que eu queria falar, Michael Fassbender (The Dangerous method), é sem dúvida, uma grande revelação nesses últimos anos. Foi do fundo poço em Hunger para o galã viril de Shame com classe e firmeza, me lembrou Christian Bale em The Machinist (2004) e sua mudança para viver o Bruce Wayne no Batman Begins (2005).

Voltando a McQueen, está em produção seu novo filme, Twelve Years a Slave (2013), novamente com Fassbender como ator e ainda Brad Pitt no elenco. Talvez a ficha que eu preciso ver cair para formar minha opinião. E provavelmente a aposta de consagração do seu trabalho.

Para não ser injusta, prefiro esperar os próximos capítulos... Sei que algumas manifestações artísticas não tem objetivo de serem carismáticas (tive isso com Lars Von Trier), suas propostas são pensadas a longo prazo e de alguma maneira te inquietam, por isso ainda prefiro digerir bem o que contemplei. Espero que entendam. Mas claro, recomendo a experiência.



Shame, trailer:


Hunger, trailer: