sexta-feira, 13 de março de 2015

ENTREVISTA COM ROTEIRISTAS POTIGUARES




EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas especificidades.


MINI BIOGRAFIA:

Joseniz Guimarães de Moura nasceu em Natal/RN em 1983, é formado em Educação Artística - Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio grande do Norte (UFRN). Trabalha no Teatro, Quadrinhos, Cinema e Educação. É o fundador do Blog Luz nas Trevas onde faz várias atividades em torno dos Quadrinhos cinema, Hqs e teatro.



ENTREVISTA:

1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?

Gosto de contar histórias e a linguagem dos quadrinhos é uma das maneiras que utilizo para contá-las.

2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?

Crise nas Infinitas Terras de Marv Wolfman e George Pérez publicada na década de 80 pela DC foi a principal influência e a grande motivação em ler e decidir trabalhar com quadrinhos. É uma grande história envolvendo centenas de personagens e mundos diferentes. Ao longo dos anos tive outras influências como Henfil, Angeli, Glauco, Laerte, Katsuhiro Otomo, Kazuo Koike, Moebius, Neil Gaiman, Paul Dini, Frank Miller, Alan Moore, Garth Ennis, Sérgio Aragonés, Grant Morrison, Will Eisner, Scott McCloud (vou parar por aqui pois a lista é grande e olha que só listei autores de quadrinhos)... Também tenho amigos que também são artistas que me inspiram e me ajudam a seguir em frente. Mas se eu não tivesse entrado em contato com Crise nas Infinitas Terras eu provavelmente estaria fazendo outra coisa que não envolvesse arte sequencial. O mais legal é que tive a oportunidade de conhecer o George Pérez em 2013 durante o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte) onde fui de Cosplay de Pirata Psíquico. Mais do que a personificação de minha infância estar presente ali eu vi um grande ser humano. Um ser humano bem maior que o artista. Milazzo é do mesmo jeito! Não tem como não se inspirar diante de pessoas assim.

3 – Então, observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.

Tudo depende da história que quero contar. Sempre adapto meu traço ao tipo da história para favorecer a narrativa. No meu traço as histórias são sempre em sua maioria sombrias ou cômicas (ou as duas coisas) pois é o tipo de história que tenho prazer em fazer no meu traço (claro que isso não me impede de contar outro tipo de história as vezes). Mas quando realizo um trabalho em parceria as possibilidades são maiores pois a minha escrita é um pouco mais ampla que meus desenhos e me permitem explorar qualquer tipo de gênero ou história que eu quero contar juntamente com o artista. Tudo depende da história e em se tratando de quadrinhos eu não consigo visualizar a escrita e a arte sem que elas se complementem em sua narrativa. Não estou preso a um gênero em específico. A pergunta que me faço é esta: Que tipo de história eu quero contar? A maneira de contar a história, traço e narrativa vão surgindo a partir daí. Claro que isso não é regra fechada posso escrever a história a partir de uma arte pronta, um personagem ou um sonho por exemplo.

4 – Muito bem, gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito  e que nem sempre são temas muito faceis de serem abordados e aceito pelo grande público leitor?

Sempre tenho alguma coisa a dizer sobre as histórias que conto. A minha preocupação é se o público consegue captar bem aquilo que quero passar. Se vai  ser aceito ou não pelo público depende do ponto de vista de cada um diante da história e da abordagem que escolhi. E eu gosto de apresentar vários tipos de abrordagens e pontos de vista sobre o mesmo tema.

5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de seus roteiros?

Existe muito a se experimentar na estética dos quadrinhos seja escolha dos momentos, palavras, imagens, enquadramento, fluxo de leitura, personagens, trama.... Mesmo em minhas tiras que possuem um ar mais cômico elas possuem estéticas bem distintas entre si. O Reinado da Borboleta Monarca é sobre corrupção e uso um traço livre e simples; Psycho: Cereal Killer e Heather Lee Curtiskamp são a minha forma de dizer que o mundo é mais assustador que filmes de terror e utilizo as cores preto, branco e vermelho; Vida de Nerda é sobre o dia a dia nerd com um traço que mistura cartum com realismo; Carpe Diem é uma tira filosófica em que utilizo fotografias que trabalho digitalmente e o Autor em crise são reflexões pessoais em que experimento tudo isso e outras coisinhas. Quando uso algo em comum nas HQs como o uso de fotografias,ou a mesma temática, ou fluxo de leitura inverso, elas apresentam identidade própria e se distanciam uma da outra. Eu vejo os quadrinhos como uma linguagem única e quero sempre experimentar possibilidades diferentes.

 6 – Essa pergunta é cabciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo principal?

Sou do tipo que conta histórias. Quando escrevo algo, espero que o que escrevi seja lido pelas pessoas. Sempre procuro experimentar e me expressar livremente na arte que escrevo. Uma vez com a história finalizada eu a conto. Como vou contar sempre depende da história. Se ela atinge um determinado público ou um público mais amplo vai depender de como ele reage diante daquela história. É claro que espero sempre que meu trabalho seja reconhecido e divulgado, venda bem para bancar outras publicações e eu possa me manter apenas fazendo arte.
Uma história que ilustra bem o que quero dizer ocorreu em 2011. A História Contos da Caixa de Cereal: O Cão, publicada na revista Luz nas Trevas: Autor em Crise, narra a história real de uma menina atacada por um cão raivoso de forma tragicômica. A menina hoje em dia já é avó e ficou muito emocionada ao ver a sua história contada na forma de uma história em quadrinhos. A edição rodou de mão em mão por toda cidade onde o fato ocorreu. Tive uma boa recepção da revista que esgotou sua tiragem de 500 edições e vendeu bem. Este retorno humano diante da história naquela cidadezinha no interior e a reação da dona Ana valem muito mais pra mim do que vender as 500 edições. Quando você está trabalhando com arte, você trabalha com muitas coisas intangíveis que não podem ser quantificadas ou qualificadas como se faz com uma revista impressa. E a história que você contou na revista não é a única história existente pois tem a história de produção da revista, da consequência daquela história e a história dos leitores ao conhecer aquela história. Todas estas histórias são importantes.

7 – Muito bem, considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?

É um bom momento. Tenho três décadas de vida e estou caminhando para a quarta. Durante este período vi o crescimento não só da quantidade de artistas e de publicações. Mas outros pontos importantes como os quadrinhos sendo discutidos nas universidades e escolas com TCC’s, publicações acadêmicas, teses de mestrado... Surgimento de escolas, cursos, estúdios de quadrinhos e disciplinas desta arte em universidades. O crescimento de eventos ligados ao tema e exposições com um intercâmbio maior entre os artistas. Com artistas de outros estados e países visitando e os artistas nordestinos fazendo o mesmo. Eventos mesclando outras artes e ciências. Uma imprensa procurando ser mais bem esclarecida sobre o assunto. E um público cada vez mais por dentro da linguagem e interessado em ler histórias seja de outros países ou do Brasil.

8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?

Existem trabalhos que curto bastante no RN como os do Wagner Michael (com o Depois de tudo apresentando histórias do dia-a-dia fantásticas), Brum (que manda bem tanto na arte como nos textos de humor), Renato Medeiros (com histórias sci-fi), Gabriel Andrade (um roteirista tão bom quanto o desenhista que ele é), Wanderline Freitas (um artista completo de quadrinhos com histórias bem humoradas, histórias noir e love storys), Cristiane Cavalcanti (que só li uma página de história mas que achei muito foda), a arte sombria do Leander Moura, o humor sarcástico da Analu, o humor negro e filosofias nas histórias do Mario Rasec, a evolução da arte fodona do Wendell Cavalcanti (principalmente com o trabalho que está fazendo com o Jamal), o trabalho do GRUPEHQ décadas atrás com o Henfil e Edmar Viana (ou a abordagem mais cultural e educativa de agora)... Admiro cada um destes e de outros autores seja pelo trabalho, seja pelas pessoas maravilhosas que são e irei aguardar ansiosamente por novas histórias. Eu realmente acompanho com gosto a evolução do trabalho de cada um e tenho tido surpresas agradáveis a cada novo trabalho que eles apresentam. Ser amigo de boa parte deles me torna suspeito mas sou do tipo que quando vejo algo que não agrada falo na cara todos os pontos da HQ a serem trabalhados de forma bem pontual e crítica.

9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?

Milena Azevedo, Marcos Guerra e Jamal Singh.

Milena Azevedo já tinha um trabalho bem legal, mas foi o Visualizando Citações que ela me surpreendeu por vários pontos. Acredito que o primeiro deles foi ela ter publicado inicialmente de maneira online no formato webcomic. Já tinha lido várias hqs neste formato mas a organização editorial foi a mais clean que já vi. Outro ponto importante foi a experimentação mesclando quadrinhos e literatura nas histórias contadas (ótimas histórias por sinal) cada uma com um artista com o traço certo para ela.  Por último gostaria de destacar que o Visualizando Citações as consequencias que surgiram com a publicação online que foi indicada ao HQ Mix duas vezes seja como webcomic ou publicação impressa, a campanha feita através do catarse, os eventos em que ela foi sem falar que serviu como base para o projeto Fronteira Livre que já ganhou sua publicação impressa através do financiamento colaborativo. Falando nisso, preciso ler o Fronteira Livre!
Marcos Guerra com a Graphic O Evangelho Segundo o Sangue fez algo único no estado misturando história do RN com fantasia e terror. Claro que já teve uma Graphic da Maturi dos Guerreiros das Dunas (que até hoje não foi concluída) e aliás o pessoal da Maturi já trabalha há um bom tempo com isso. Quando falo de único falo na forma que a história foi contada sem se tornar didática demais quase como um livro ilustrado e trabalhando de maneira excelente a linguagem dos quadrinhos unindo roteiro e arte perfeitamente. O trabalho também teve repercussão no meio acadêmico com o TCC de Leandro que obteve aprovação com nota máxima com um grande público presente. Eu considero este o ápice do Marcos Guerra (e do Leandro também) e fico no aguardo de algo novo que me surpreenda tão agradávelmente quanto este trabalho.
Jamal Singh teve três trabalhos publicados. O primeiro trabalho Cajun (Faroeste Espagueti puro) foi premiado em recife com o PADA, o segundo Kaur fez parte do álbum Máquina Zero indicado ao HQ Mix e o terceiro apresentou a primeira parte de uma boa história do Cajun que estou no aguardo de sua conclusão . Todos três em parceria  com o Wendell Cavalcanti e todos os três apresentando boas histórias. Dos três trabalhos realizados eu vejo o Kaur como o mais pessoal do Jamal pois faz uma abordagem contextualizada históricamente lançando um olhar claro, aventureiro, fantasioso e não estereótipado sobre os Siques. O Jamal é Sique e é interessante ele mostrar um novo olhar, o seu olhar pessoal, sobre o siquismo em suas histórias. E o melhor: sem ser didático e contando com uma boa narrativa de quadrinhos.

10 – Não precisa dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas  fora essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria de escrever?

Luz nas Trevas é a grande história em Quadrinhos que estou trabalhando. É uma grande história sombria e iluminada ao mesmo tempo. A história é composta por uma série de histórias fechadas aparentemente sem conexão entre seus personagens, mas no decorrer da série irão ocorrer ligações entre as histórias e personagens. A história não é focada em um personagem fixo, mas alguns personagens podem aparecer em mais de uma história, não necessariamente a história seguinte. Sou livre pra fazer o que quiser sem ficar preso a personagens ou gênero. É o trabalho que uma vez iniciado só pretendo parar de trabalhar nele quando estiver morto ou não tiver mais histórias para contar (e com 100 histórias escritas até o momento e muitas idéias aguardando acho difícil de acontecer).
Vou continuar dando andamento a algumas hqs, como o Vida de Nerda e a tudo que estou fazendo atualmente. Quanto ao gênero tudo vai depender de que histórias tenho pra contar e ainda tenho muitas histórias pela frente (e nem todas serão contadas com a linguagem dos quadrinhos). Além disso vocês podem me acompanhar no meu blog pessoal e nele, além de divulgar meus trabalhos artísticos, eu falo sobre o que eu achar interessante falar e às vezes eu escrevo nada de interessante também (ou então não escrevo nada). Ele tem um foco muito grande em arte (quadrinhos, teatro, cinema, fotografia, música, dança...), coisas nerds, minha vida e outras coisitas mais.  www.cavaleirodastrevasedaluz.blogspot.com.br

Namastê!

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