quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Assim: Poluição

"Clarice, nunca te vi, mas sempre te amei". Foram exatamente essas palavras (paráfrase de um filme) que me vieram a cabeça quando li a frase da folha de rosto do livro "Um sopro de vida (Pulsações)" de Clarice Lispector, que dizia, "Quero escrever movimento puro". Não sabia ainda o sentido da frase, mas tinha certeza, como nunca tive antes, que ela foi escrita para mim. 
Fui a banca de revistas do mercado com uma amiga, afim de mostrar que nessa banca existia um espaço para adquirir livros usados, e segundo o dono da banca, para esses livros daríamos o valor que achássemos que a obra valia. Sobre esse "valor" da obra já havia conversado com ele antes, afirmei ser cruel o que faz com pobres leitores e amantes de literatura, obras que não teriam um "valor" por assim dizer para quem as deixou lá, e ao mesmo tempo todo "valor" do mundo,  mas enfim, fiquei confusa e angustiada com isso... 
Hoje, apenas comentei que havia comprado "Os Pensadores" de Descartes, alguns meses atrás e me arrependi de ter pago 10 reais, deveria ter levado o livro da Clarice. Até agora não sei a causa de levar o Descartes e deixar a Clarice. O amigo que estava comigo no dia, me sugeriu: "Volta lá manhã, paga mais 2 reais (simbolicamente) e leva o da Clarice". Pensei em fazer isso, mas o tempo acabou passando, imaginei que o livro tivesse sido vendido. Até agora, também não sabia porque deixei a Clarice e levei o Descartes, agora quase acho que sei. 
A lua do meu encontro
Chego em casa, vejo e-mails, posts na time line do Facebook, me distraio, mas meu pensamento é tomar um banho e deitar com a Clarice. No banho, fico contando para mim mesma, momentos fantásticos que me aconteceram anos atrás, e pensei que daria um bom livro de cronicas. Ensaiei para mim mesma como seria a narrativa, enquanto me aquecia em baixo d'água. 
Antes de pegar Clarice e ir para cama, imaginei que trilha sonora aquele encontro merecia. Os bons encontros sempre tinham trilha sonora. Coloquei Beethoven, e dei uma ultima olhada na time line, quando vi uma postagem sobre o Doodle de hoje, e era sobre música. O Doodle interativo me sugeriu um play e eu cliquei. Eis que surgiu a trilha do meu encontro, automaticamente, pausei a 9ª sinfonia de Beethoven. Debussy tornou meu encontro ainda mais mágico, cada palavra parecia ser escrita para mim, para esse momento específico da minha vida, onde o tempo escorria como água das minhas mãos, mãos essas culpadas pela escrita que não vinha nunca. 
Clarice fala de tempo e escrita e a escrita no tempo, e o tempo na escrita. E o tempo, e a escrita. Com lápis lilás eu grifo os trechos que me provocam, mas a vontade é grifar o texto inteiro, todas as palavras, virgulas e os espaços entre elas. 
Ainda no início do encontro, mesmo apaixonada a primeira lida, me mantive desconfiada daquela identificação toda, eram muitas. Já havia lido "coisas" da Clarice espalhadas pela net e isso impôs um certo pre-conceito, admito. Até que me deparo com mais uma das histórias que dariam uma crônica. Foi o fim, ou o início, não sei. Talvez os dois, o fim de algo para dar lugar ao início de outro "algo".
No primeiro parágrafo da página 14, do livro "Um sopro de vida (pulsações)" de Clarice Lispector, 6ª
edição da editora Nova Fronteira, de capa rasgada e com carimbos de biblioteca (admiro os ladrões de livros). Eis que leio: "Estou ouvindo música. Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia, refluindo e fluindo". Parei de ler imediatamente, sorri e em seguida desabei em lágrimas... Era Clarice, escrevendo sobre mim?
Paguei 5 reais por Clarice e hoje, nessa noite ela vale mais que minha vida inteira. Ela vale esse ato de fruição diante da obra, no jargão esteta dos mais metidos e apropriados. Essa obra vale nada, a não ser cada letra em si mesma, posta sobre o papel amarelado. E vale tudo. Absolutamente, tudo. 

"A alegria absurda é a criação" (Nietzsche)

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