sábado, 14 de abril de 2012

Corpo: ilusão da presença



Pareço suspeita em escrever sobre algo tão feminino, e sou. L’Apollonide: Souvenir de la Maison close (2011), que no Brasil recebe o sobrenome "os amores da casa de tolerância" conta uma fábula erótica, onde somos voyeurs entre as paredes quentes de um suntuoso prostíbulo da Belle Epoque francesa. 

O filme nos transporta para o sonho e as memórias de alguém que viveu a aparente segurança entre as paredes do Apollonide. O diretor Bertrand Bonello trabalha o belo e o nu com classe e naturalidade, de um realismo poético e romantismo cru. Pinta o corpo feminino com a luz de suas câmeras, onde sexo e fetiches perdem a libido quando imergimos na realidade de cada uma das mulheres que desfilam durante o enredo. São majas, olympias e vênus, mulheres em seus mistérios, que falam com os olhos suas angustias e não ousam sorrir. 

Em Apollonide, frieza, melancolia e luxuria se misturam em uma trama envolvente e onírica, onde o sorriso é algo raro e algumas vezes cruelmente forçado, ilustrado claramente na personagem Madeleine, homenagem ao romance O homem que ri de Vitor Hugo. Muito dessa estética onírica se deve a fotografia exemplar de Josée Deshaies, que organiza sua obra numa verdadeira galeria. As imagens que usei (todos retiradas do filme) são uma pequena mostra do capricho da direção de arte. 

São muitas as homenagens às belas artes inclusive entre os poucos personagens masculinos temos Gustave, o homem que admira vaginas, numa merecida referência A origem do mundo de Gustave Courbet. A montagem de Fabrice Rouaud propositalmente desconexa faz alusão a memórias, essas por hora reinventadas e reconstruídas, a fim de criar uma aura de nostalgia. Por fim a trilha sonora que embala o filme trás a tona o erotismo latente que nos cativa à medida que as cenas acontecem. Todos esses elementos técnicos muito bem trabalhados e as referências artísticas fazem do filme uma obra forte e inteligentemente construída. 

As sequencias de sexo e a retratada vida marginal nos põem no limite entre o prazer e insatisfação, com a ideia de que somos refém do corpo que machuca, adoece, envelhece e morre, do corpo como uma prisão solitária, onde a única luz entra pela janela da ilusão da presença. 

Como se a vida fora daquelas paredes parecesse não existir, as imagens dos corpos que padecem o prazer alheio, em conflito com a razão que se distancia da realidade, faz clara a intenção do cineasta de montar uma ficção dentro da ficção, um sonho dentro de um sonho, um universo que se explica por si, sem contexto, sem plano de fundo, uma dimensão paralela que visa tocar o feminino em sua forma mais sublime e elegante. 

A perceptiva machista do universo feminista da mulher, objeto de desejo, de prazer e de satisfação das fantasias se desfaz ao longo do filme fazendo surgir a magnifica beleza dos corpos como único prazer, um prazer estético. 

L'Apollonide é uma fiel homenagem ao universo misterioso do feminino e a arte de pintar musas. Um filme racional enquanto esteticamente passional. 

Trailer:

Comentários
0 Comentários

0 comentários:

Postar um comentário