EMENTA: O
objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e
trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN,
procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em
detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com
isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz
optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de
compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e
suas especificidades.
BIOGRAFIA:
Historiador
em formação e roteirista de quadrinhos. Seu primeiro trabalho junto com o
desenhista Wendell Cavalcanti, a história curta “Lembranças amargas” com o
personagem Cajum foi publicada na Prismarte № 55, e recebeu o Troféu P.A.D.A.
de melhor historia em 2012. Participou da coletânea internacional Máquina Zero
(indicada a dois prêmios HQ MIX em 2014), capitaneada pelo coletivo Quadro – a
–Quadro, com a história Kaur, estrelada pela guerreira Sikh Naara Kaur.
Atualmente escreve quadrinhos institucionais enquanto cria outros projetos com
Wendell Cavalcanti e outros colaboradores.
ENTREVISTA:
1 – Bem agradeço
a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já
começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?
Paixão.
Me alfabetizei lendo quadrinhos, ler quadrinhos é uma paixão. Colecionar uma
tara. Escreve-los um tesão. Devo ser um dos seus poucos entrevistados (talvez o
único) que não escreve crônicas, críticas, poesia, roteiros para cinema e peças
teatrais. Eu mantinha antigamente um blog onde fazia criticas sobre filmes, HQ,
livros, e o parei para exclusivamente escrever Quadrinhos.
Apesar
de há anos manter um projeto pessoal, um romance de fantasia que talvez nunca
publique, toda a minha dedicação além dele vai para ser roteirista de
quadrinhos, em vez de ser “um escritor de verdade” (já ouvi essa triste
afirmação até no nosso meio).
2 – Ok, então
sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as
hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?
Li
muitos quadrinhos infantis em que hoje só lembro dos personagens, como “A turma
do Gordo”, “Bolinha”, “Luluzinha”, “A turma do Arrepio”, “Agente Cãofidencial”
e os trapalhões da Abril. Na infância, as primeiras HQs que me marcaram foram
uma TEX (“o homem serpente”, nº 245, GLOBO), um Albúm do Rango do Edgar Vasques
(L&PM, saíram 7, não sei qual deles que li) e uma SUPERAVENTURAS MARVEL (nº
49, ABRIL) em que o Demolidor tem uma noite de cão e os X-men enfrentam o
Arcade.
Na
adolescência continuei lendo quadrinho de super-heróis, faroeste e nacional,
mas acabei me tornando também um aficcionado por terror devido as saudosas
locadoras de VHS. Como comprava muito em sebo por não ter muito dinheiro acabei
tendo ótimas descobertas que enriqueceram ainda mais minha Gibiteca: Calafrio, Chiclete
com banana, DC 2000 (com o homem Animal de Grant Morrison, o Xeque-Mate de Paul
Kuppeberg e a L.E.G.I.Ã.O. do Bill
Mantlo e Keith Giffen), A espada selvagem de Conan, Fantasma, Geraldão, O Homem-Aranha, O incrível Hulk, Ken Parker, Kripta, Liga da
Justiça (que eu comprava só por causa do Esquadrão Suicida), Monstro do
pântano, Mister No, Novos Titãs, Piratas do Tietê, A teia do Aranha, Zagor.
3 – Então,
observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias
você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.
Foi só
na juventude que eu comecei a ler o tipo de quadrinho que eu prefiro escrever
hoje, as novelas gráficas (Graphic novels).
Na adolescência eu achava que ia escrever grandes sagas intermináveis (e
escrevia em meu caderno) como as que lia. Hoje eu não tenho paciência para
isso, nem confio em quem tenha! O que eu desejo escrever são justamente o que
você me perguntou: Histórias. Não tenho a pretensão de ser um artista dos
quadrinhos ou um poeta. Sou roteirista de quadrinhos.
Quando
alguém me mostra um quadrinho que produziu e diz “não sou um quadrinista, sou
escritor” ou “não sou desenhista de quadrinhos, sou artista plástico” nem me
dou ao trabalho de conferir o seu material. Acho um pedantismo canalha
desnecessário ao meio. Quero contar uma história. O que me interessa é se minha
história tocou alguém de algum modo, se o que eu escrevi entreteu o leitor.
Gostaria
de futuramente poder trabalhar a sexualidade dos personagens, discutir sobre os
papéis de gênero, e questionar os mitos sobre a paternidade, familia e amizade.
Temas que só pude tratar bem por cima no que já escrevi.
4 – Muito bem,
gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais
diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto
a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito e que nem sempre são temas muito faceis de
serem abordados e aceito pelo grande público leitor?
Eu
basicamento vou anotando diálogos que eu tenho e idéias que vão surgindo. Dessa
colcha de retalhos as vezes sai uma história. Acho que certos dialogos e certas
narrativas vão bem em qualquer gênero. Não tem essa de enquadramento tal não
serve para Terror, ou pose tal só serve para Faroeste! Meu argumento é
geralmente bem bagunçado, e eu mexo muito nele até depois que ele vira roteiro
e vai para a mão do desenhista.
Com
relação a temas delicados eu tento ter tato, pois as vezes o que você escreve
como uma crítica (ao preconceito, a desigualdade social, etc), acaba sendo
interpretado como apologia ou homenagem quando o autor não tem a devida
sensibilidade ao elaborar a idéia.
5 – Você possui
alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha
como objetivo experimentar através de seus roteiros?
Não,
não possuo tal pretensão. As vezes o “como” se conta a história é o
diferencial, mas de modo geral o que me interessa na HQ são os personagens, nem
tanto a arte ou o design dela.
6 – Essa pergunta é cabciosa, para não dizer
sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial
que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva
escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação
ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a
liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma
consequência e não o objetivo principal?
Não
acredito nesses rótulos. O Alan Moore consegue fazer um trabalho dito
“alternativo” com a tiragem de uma obra comercial. Ser independente só
significa, principalmente no Brasil, que você tem tiragem baixa e rala para
conseguir vender seu material. Eu acho que um artista só tem uma liberdade de
criação completa quando ele escreve, edita e publica tudo do próprio bolso, se
não sempre haverá censura, as vezes do próprio autor. E se a pessoa realmente não
quer um público consumidor, acho que ele não deve nem ter o trabalho de
escrever nada.
7 – Muito bem,
considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina
em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado
de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?
Se não
for um quadrinho institucional, não tenho nenhuma perspectiva. Não temos muitas
editoras aqui no nordeste (e no Brasil) interessadas em lançar quadrinhos
nacionais, e basicamente fora os quadrinhos institucionais você só tem como
lançar algo se não for do próprio bolso via editais. E escrever bem um
quadrinho não te habilita a escrever bem um edital, e vice-versa, o que gera
algumas aberrações saindo por leis de incentivo a cultura.
Quanto
ao mercado de quadrinhos potiguares ele é inexistente. Aqui. Com exceçãos de
alguns dinossauros da minha geração, o leitor de quadrinhos médio potiguar só
tem interesse por super-heróis e/ou mangá. Há até um público novo que lê
quadrinho nacional, mas só compra material HYPE escrito por essa nova onda de
publicitários que acha que sabe fazer quadrinho. Já vendi mais meus trabalhos
autorais em eventos fora daqui e por correio do que em eventos dentro do
estado.
8 – Nessa perspectiva,
gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e
lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?
O que
realmente me surpreendeu e continua a me surpreender são o Rodrigo Brum e o
Mario Rasec, com trabalhos bem
diferentes. Mas incluo ambos nas melhores tiras feitas atualmente no país.
9 – Confesso que
já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e
restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos
que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno
comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?
Bem,
vou considerar apenas os roteiristas que fizeram histórias com começo, meio e
fim, se não repetiria nomes da outra
pergunta, e vou ficar com quem realmente eu li e me empolguei recentemente.
Joseniz
Guimarães – Se ele usasse fotonovelas em vez de desenhar saia do mesmo jeito.
Gosto do que ele escreve, apesar da arte, como ele humildemente assume, não ser
das melhores.
Wagner Michael
– Assim como o Jozeniz, ele melhora a cada novo trabalho. Apesar de ele ser bem
melodrámatico, gosto de como ele trabalha o saudosismo e a nossa Nata, a cidade
do sol, em suas histórias.
Milena
Azevedo – Mais melodramática ainda que Wagner, os textos de milena são de
querer cortar os pulsos. Mas há beleza até na tristeza, coisa que a maioria das
pessoas prefere negar.
10 – Não precisa
dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma
promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes
historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas fora essa pressão psicológica qual suas
perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria
de escrever?
No
momento estou trabalhando com Wendell Cavalcanti, meu parceiro de velha data
num albúm sobre A boca do Lixo. A histórias se passa nos anos sessenta, quando
“a saída do artista potiguar era a rodoviária”, e acompanha três jovens
potiguares tentando a sorte em São Paulo, na época a capital do cinema e aonde
ficavam as principais editoras de quadrinhos do país. O albúm é focado na
amizade e amadurecimento dos personagens durante os eventos e fatos que mudaram
o país: O cinema novo e o cinema marginal, as leis de incentivo ao quadrinho e
ao cinema nacional, a ditadura, etc.
Estou
desenvolvendo também o roteiro sobre uma Patrulha Estelar bem semelhante a
Legião Estrangeira francesa que se passa séculos no futuro, uma ficção
cientifica com uma pegada Belle Epoque
(só para contrariar os babaovos do Steampunk)
aonde os humanos são apenas uma raça subdesenvolvida da periferia. Nesse albúm
estou trabalhando sobre temas mais delicados do jeito que só a ficção
cientifica permite, como já bem disse o Gene Rodenberry (criador de star Trek).