EMENTA: O
objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e
trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN,
procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em
detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com
isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz
optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de
compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e
suas especificidades.
Gilvan Lira de Medeiros nasceu
em São Rafael, RN, em 1963. Trabalha profissionalmente com histórias em
quadrinhos desde 1985, quando publicou seus primeiros trabalhos pelas editoras
Press e Maciota (ambas extintas). É membro do GRUPEHQ - Grupo de Pesquisa e
História em Quadrinhos de 1985, data em que começou a colaborar com a
revista Maturi. Gilvan criou o
personagem Zé do Mouse, que foi publicado no jornal Diário de Natal de outubro
de 2001 a fevereiro de 2003.
ENTREVISTA:
1 – Bem agradeço
a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já
começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?
O que
me levou a fazer roteiros profissionalmente foi o desejo de desenhar
minhas próprias histórias. Desenhei roteiros de outros sem nenhum problema, mas
percebi que me sentia mais confortável quando ilustrava meus próprios roteiros.
Quando eu ainda era garoto, já criava e desenhava minhas HQs, sem ter noção
alguma do que fosse um roteiro. Ia desenhando e criando a história ao mesmo
tempo. Não planejava nada. Mesmo depois de passar a trabalhar profissionalmente
com HQ, meus roteiros eram feitos de forma intuitiva. Emanoel Amaral me deu
dicas preciosas sobre a escrita do roteiro e me sugeriu alguns bons livros
sobre o assunto. Percebi que a construção da história/roteiro, exige muito estudo
e prática assim como o desenho.
2 –Ok, então
sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as
hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?
Fui alfabetizado lendo HQs. A primeira vez que vi uma revista
de histórias em quadrinhos, foi nas mãos de minha mãe, no final da década de
1960. Ela estava lendo uma revista do Mickey (da Disney), à luz de lamparina.
Eu fiquei curioso e enchi minha mãe de
perguntas. Na época eu não sabia ler e ela foi pacientemente me explicando
algumas coisas como: o que eram os balões de fala, de pensamento, o que os
personagens falavam entre si, etc. A partir desse momento, me esforcei para
aprender a ler e entender o que diziam aquelas letras dentro daqueles balões
brancos. Aprendi a ler com as histórias em quadrinhos, que passaram a ser minha
leitura preferida.
Depois tive contato com quadrinhos da Editora Ebal, entre
eles a revista do Batman, Zorro, Super-Homem e Tarzan, esse sim, foi meu herói
de infância. Alguns anos depois conheci o Príncipe Valente, de Harold Foster e
Ken Parker, de Ivo Milazzo e Berardi, que simplesmente me fez largar os
quadrinhos Disney que eu colecionava há bastante tempo. Harold Foster, Burne Hogart, Ivo Milazo, Russ Manning, Joe
Kubert, entre outros, foram minhas maiores influências no início.
Em 1980, aos 16 anos vim morar em Natal. Três anos depois
conheci Marcio Coelho que me apresentou a “nata” do quadrinho europeu naquela
época. Isso virou minha cabeça de vez. Até então eu não pensava seriamente em
ser quadrinista profissional (queria ser médico), mas a partir desse momento
eu não desejava outra coisa. Queria desenhar como aqueles caras. Então, essas
foram minhas influências mais marcantes, que me estimularam a querer ser
quadrinista.
3 – Então,
observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias
você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.
Meu objetivo sempre é poder contar boas histórias. Não me
importa o gênero. Gostaria de escrever HQs que possam despertar o interesse do
leitor e que ao final ele se sinta satisfeito com o que leu. Se eu conseguir
isso, terá valido a pena o empenho.
4 – Muito bem, você poderia falar um pouco sobre a forma de
escrever roteiros e suas preferências, além de se possível for, me responder
qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você
venha ou tenha escrito e que nem sempre
é um tema muito fácil de ser abordado e aceito pelo grande público leitor?
Geralmente quando vou escrever uma HQ curta, eu a desenvolvo
mentalmente e depois faço alguns esboços planejando a diagramação da página,
mas sem me preocupar muito com o desenho e sim com a estrutura da história,
como o ritmo, a tensão, etc. Algumas vezes a história surge simplesmente, sem
uma ideia inicial, como foi no caso da HQ Feira Livre que saiu na Revista
Maturi número 1. Eu sabia que teria que fazer uma HQ com tema urbano mas não
tinha ideia do que seria e ao passar próximo à feira do Alecrim a história
surgiu inteira sem que eu precisasse planejar. Quando voltei para casa
rascunhei a história tentando encaixá-la no número de páginas. Depois eu fui
pesquisar como eram as barracas, fazer algumas fotos, conversar com alguns
feirantes, etc.
Outras vezes eu parto de uma ideia básica e vou construindo
situações, personagens, cenas, sequências e vou anotando. Geralmente eu escrevo
e faço alguns rascunhos de cenas ou de alguns personagens da HQ. Quando o
roteiro é longo, o processo é mais demorado. Antes de escrever eu preciso saber
como irá terminar a história. Tendo um começo e um fim, vou construindo a trama
até conduzí-la ao final. Nesse tipo de roteiro costumo criar uma ficha dos
personagens. Há roteiros em que planejo tudo, sei como começa e termina a
história, mas ao escrever, a trama muda de rumo e o final acaba sendo
modificado. Mesmo que eu desenvolva a história mentalmente, no processo da
escrita ela pode tomar rumos diferentes.
Costumo fazer esboços, estudos rápidos das páginas, já com
texto, e mostro para alguns amigos para ver se a história está funcionando, se
tem furos. Se houver ajustes a serem feitos, todo o processo é repetido e
somente depois que eu achar que o roteiro está bem estruturado é que eu começo
a desenhá-lo já no formato definitivo.
Alguns roteiros (muitos deles) eu escrevo em prosa e depois esboço
as páginas e construo a HQ, acrescentando ou suprimindo informações. Ando
sempre com um bloquinho para anotar as ideias
que me ocorrem quando estou fora de casa. Também costumo gravar em áudio
ideias de roteiros, cenas e sequências inteiras. Às vezes durmo com o gravador
de mp3 por perto (eu perdi algumas ideias que considerava relevantes para um
determinado roteiro por confiar somente em minha memória, que acabou por me
deixar na mão).
Com relação a abordar temas delicados, eu procuro ser
cuidadoso, mas é sempre complicado pois você pode ser mal interpretado, ainda
mais se a HQ for de humor, onde é possível que algo engraçado possa ser
entendido como ofensa.
5 – Você possui
alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha
como objetivo experimentar através de seus roteiros?
Eu acho
que quando escrevemos, ainda que inconscientemente, tentamos desenvolver um
texto que tenha nossa cara, que possa ser reconhecido a autoria só pelo estilo da
escrita. Experimentações faço o tempo todo, mas dentro de uma área segura e o
meu objetivo sempre é tentar contar uma boa história. Todo o resto tem que
servir a esse propósito.
6 – Essa pergunta é cabeciosa, para não dizer
sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial
que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva
escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação
ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a
liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma
consequência e não o objetivo principal?
Eu me considero, no momento, um roteirista independente, mas
escrevo pensando em vender. No entanto, nada impede que possa produzir roteiros
“alternativos”, como experimentação. O que quero dizer, enfim, é que esses
rótulos não me incomodam. O importante é você está consciente do público para
quem está produzindo para não se frustrar. Acredito que quem trabalha com HQs
quer mesmo é ser lido.
7 – Muito bem,
considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina
em que temos a carência de tudo há décadas, qual a perspectiva atual do mercado
de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?
A situação das HQs atualmente é bem diferente da época em que
comecei, participando da Maturi na década de 1980. Havia muita dificuldade para
se conseguir imprimir as revistas. Nos anos 90 o pessoal do Reverbo lutou
bravamente tentando emplacar seu material em bancas, competindo com o material
estrangeiro.
Depois veio o projeto Revista Maturi, com a publicação em
formato grande, impressão em offset e com páginas em cores, o Projeto Primeira
Impressão, Marcos Guerra e o selo K-Ótica
com inúmeros títulos publicados, o selo de Milena Azevedo e Brum. Percebe-se
pelo volume de publicações e de Grupos envolvidos com a produção de HQ no
Estado, que o Quadrinho potiguar vem evoluindo e se fortalecendo cada vez mais.
Os artistas estão mais articulados, há mais facilidade de se editar e, se ainda
não temos um mercado consumidor, por outro lado a parte de produção está muito
mais organizada e se profissionalizando. Esse é o caminho.
Com relação ao mercado, hoje com a internet as vendas acontecem
mais facilmente. Festivais e feiras de HQs ajudam na divulgação da produção
local. É preciso mais eventos, exposições, revistas para veicular nossa
produção. Tem muito artista (desenhista/roteirista) e pouco espaço para
publicar. É preciso se pensar em estratégias de divulgação e distribuição do
material produzido e, acima de tudo, é preciso
estar atento com a qualidade da produção.
8 – Nessa perspectiva,
gostaria de saber quais as hqs
POTIGUARES que lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum
sentido nesse ou em outros anos?
Muita coisa boa tem sido produzida no Rio Grande do Norte. O
pessoal mais novo, cheio de gás, tem produzido muito. Alguns trabalhos ainda
não atingiram a qualidade desejada, mas com o tempo isso acontecerá, sem
dúvida.
Uma das HQs que mais me surpreenderam foram os Guerreiros das
Dunas, que eu considero um marco do quadrinho potiguar. As HQs da parceria Beto
Potygura e Wolclenes na revista Maturi são fantásticas, roteiro e desenhos. Ivan
Cabral com seu texto certeiro e desenhos primorosos, também na Maturi, foram
uma grata surpresa, uma vez que HQ não era muito sua praia. Gostei muito de
Cajun, de Jamal Singh e Wendell Calvacanti... e tantas outras HQs, que enumerá-las
aqui tornaria essa lista longa demais.
9 – Confesso que
já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e
restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos
que produziram historias interessantes e se possível, fizesse um pequeno
comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?
Eu tenho visto muita coisa boa dessa nova e promissora
geração de quadrinhistas potiguares, como Marcos Guerra, Jamal, Milena Azevedo,
Jozeniz, Mario Rasec, Deuslir, José Veríssimo, Wolclenes, Carlos Alberto,
Gabriel Andrade e tantos outros. Além desses autores, tem muita gente boa
envolvida com quadrinhos no RN, alguns ainda não estão totalmente prontos, mas com
grande potencial.
Vou falar então de artistas que conheço há mais tempo e cujo
trabalho venho acompanhando mais de perto.
Existem, no entanto, vários outros autores cujos trabalhos admiro e sem
dúvida fariam parte de uma listagem mais abragente.
-Eu
gosto muito do trabalho de Emanoel Amaral, tanto roteiros quanto desenhos. Os Guerreiros das
Dunas é uma “senhora” HQ, repleta de ação, suspense, reviravoltas. Emanoel escreve
roteiros com uma facilidade de dar inveja. O cara é muito criativo e tem muito
conhecimento da estrutura do roteiro, sabe como construir uma boa trama. Tenho
aprendido muito com ele. Pena que não se
dedique tanto aos quadrinhos.
-Marcio
Coelho é um artista completo que escreve e desenha em qualquer gênero e utiliza
variados estilos de desenhos. Marcio amadureceu muito como roteirista e seus
roteiros estão cada vez mais enxutos, fruto do estudo constante. Eu tive o
prazer de ler em primeira mão inúmeras HQs suas ainda inéditas. São histórias
curtas, verdadeiras crônicas visuais, algumas sem uso de balões. Quem sabe um
dia, para nossa alegria, ele publica esse material.
-Beto
Potiguara é um roteirista criativo e eficiente. A estrutura de suas HQs é
coesa, sintética, tudo muito bem encaixado. O ritmo narrativo, os diálogos
convincentes nos prendem e nos conduzem
ao desfecho da trama. A prova disso é o material publicado na revista Maturi no
projeto Primeira Edição.
Teria
muitos outros autores que eu gostaria de citar aqui, mas como você disse, você
foi sacana (risos).
10 – Não precisa
dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma
promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes
historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas fora essa pressão
psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros
de historias gostaria de escrever?
Como já
disse, eu gosto de contar histórias, seja de ficção, fantasia, terror, humor.
Venho trabalhando em alguns projetos de HQs já há bastante tempo, desenvolvendo
roteiros e planejando a quadrinização, nos gêneros acima citados. Espero em
breve concluir parte desse material e publicá-lo.
Quero
agradecer pelo convite e espero ter contribuído de alguma maneira.