domingo, 20 de março de 2016

ENTREVISTA COM ROTEIRISTAS E QUADRINISTAS POTIGUARES APRESENTANDO GILVAN LIRA


 
 
 
EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas especificidades.
 

Gilvan Lira de Medeiros nasceu em São Rafael, RN, em 1963. Trabalha profissionalmente com histórias em quadrinhos desde 1985, quando publicou seus primeiros trabalhos pelas editoras Press e Maciota (ambas extintas). É membro do GRUPEHQ - Grupo de Pesquisa e História em Quadrinhos de 1985, data em que começou a colaborar com a revista  Maturi. Gilvan criou o personagem Zé do Mouse, que foi publicado no jornal Diário de Natal de outubro de 2001 a fevereiro de 2003.
 
 
 
 
ENTREVISTA:

 

1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?

O que me levou a fazer roteiros  profissionalmente foi o desejo de desenhar minhas próprias histórias. Desenhei roteiros de outros sem nenhum problema, mas percebi que me sentia mais confortável quando ilustrava meus próprios roteiros. Quando eu ainda era garoto, já criava e desenhava minhas HQs, sem ter noção alguma do que fosse um roteiro. Ia desenhando e criando a história ao mesmo tempo. Não planejava nada. Mesmo depois de passar a trabalhar profissionalmente com HQ, meus roteiros eram feitos de forma intuitiva. Emanoel Amaral me deu dicas preciosas sobre a escrita do roteiro e me sugeriu alguns bons livros sobre o assunto. Percebi que a construção da história/roteiro, exige muito estudo e prática assim como o desenho.

 

2 –Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?

Fui alfabetizado lendo HQs. A primeira vez que vi uma revista de histórias em quadrinhos, foi nas mãos de minha mãe, no final da década de 1960. Ela estava lendo uma revista do Mickey (da Disney), à luz de lamparina. Eu fiquei  curioso e enchi minha mãe de perguntas. Na época eu não sabia ler e ela foi pacientemente me explicando algumas coisas como: o que eram os balões de fala, de pensamento, o que os personagens falavam entre si, etc. A partir desse momento, me esforcei para aprender a ler e entender o que diziam aquelas letras dentro daqueles balões brancos. Aprendi a ler com as histórias em quadrinhos, que passaram a ser minha leitura preferida.

Depois tive contato com quadrinhos da Editora Ebal, entre eles a revista do Batman, Zorro, Super-Homem e Tarzan, esse sim, foi meu herói de infância. Alguns anos depois conheci o Príncipe Valente, de Harold Foster e Ken Parker, de Ivo Milazzo e Berardi, que simplesmente me fez largar os quadrinhos Disney que eu colecionava há bastante tempo. Harold Foster,  Burne Hogart, Ivo Milazo, Russ Manning, Joe Kubert, entre outros, foram minhas maiores influências no início.

Em 1980, aos 16 anos vim morar em Natal. Três anos depois conheci Marcio Coelho que me apresentou a “nata” do quadrinho europeu naquela época. Isso virou minha cabeça de vez. Até então eu não pensava seriamente em ser quadrinista profissional (queria ser médico), mas a partir desse momento eu não desejava outra coisa. Queria desenhar como aqueles caras. Então, essas foram minhas influências mais marcantes, que me estimularam a querer ser quadrinista.

 

3 – Então, observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.

Meu objetivo sempre é poder contar boas histórias. Não me importa o gênero. Gostaria de escrever HQs que possam despertar o interesse do leitor e que ao final ele se sinta satisfeito com o que leu. Se eu conseguir isso, terá valido a pena o empenho.

 

4 – Muito bem,  você poderia falar um pouco sobre a forma de escrever roteiros e suas preferências, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito  e que nem sempre é um tema muito fácil de ser abordado e aceito pelo grande público leitor?

Geralmente quando vou escrever uma HQ curta, eu a desenvolvo mentalmente e depois faço alguns esboços planejando a diagramação da página, mas sem me preocupar muito com o desenho e sim com a estrutura da história, como o ritmo, a tensão, etc. Algumas vezes a história surge simplesmente, sem uma ideia inicial, como foi no caso da HQ Feira Livre que saiu na Revista Maturi número 1. Eu sabia que teria que fazer uma HQ com tema urbano mas não tinha ideia do que seria e ao passar próximo à feira do Alecrim a história surgiu inteira sem que eu precisasse planejar. Quando voltei para casa rascunhei a história tentando encaixá-la no número de páginas. Depois eu fui pesquisar como eram as barracas, fazer algumas fotos, conversar com alguns feirantes, etc.

Outras vezes eu parto de uma ideia básica e vou construindo situações, personagens, cenas, sequências e vou anotando. Geralmente eu escrevo e faço alguns rascunhos de cenas ou de alguns personagens da HQ. Quando o roteiro é longo, o processo é mais demorado. Antes de escrever eu preciso saber como irá terminar a história. Tendo um começo e um fim, vou construindo a trama até conduzí-la ao final. Nesse tipo de roteiro costumo criar uma ficha dos personagens. Há roteiros em que planejo tudo, sei como começa e termina a história, mas ao escrever, a trama muda de rumo e o final acaba sendo modificado. Mesmo que eu desenvolva a história mentalmente, no processo da escrita ela pode tomar rumos diferentes.

Costumo fazer esboços, estudos rápidos das páginas, já com texto, e mostro para alguns amigos para ver se a história está funcionando, se tem furos. Se houver ajustes a serem feitos, todo o processo é repetido e somente depois que eu achar que o roteiro está bem estruturado é que eu começo a desenhá-lo já no formato definitivo.

Alguns roteiros (muitos deles) eu escrevo em prosa e depois esboço as páginas e construo a HQ, acrescentando ou suprimindo informações. Ando sempre com um bloquinho para anotar as ideias  que me ocorrem quando estou fora de casa. Também costumo gravar em áudio ideias de roteiros, cenas e sequências inteiras. Às vezes durmo com o gravador de mp3 por perto (eu perdi algumas ideias que considerava relevantes para um determinado roteiro por confiar somente em minha memória, que acabou por me deixar na mão).

Com relação a abordar temas delicados, eu procuro ser cuidadoso, mas é sempre complicado pois você pode ser mal interpretado, ainda mais se a HQ for de humor, onde é possível que algo engraçado possa ser entendido como ofensa.

 

5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de seus roteiros?

Eu acho que quando escrevemos, ainda que inconscientemente, tentamos desenvolver um texto que tenha nossa cara, que possa ser reconhecido a autoria só pelo estilo da escrita. Experimentações faço o tempo todo, mas dentro de uma área segura e o meu objetivo sempre é tentar contar uma boa história. Todo o resto tem que servir a esse propósito.

 6 – Essa pergunta é cabeciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo principal?

Eu me considero, no momento, um roteirista independente, mas escrevo pensando em vender. No entanto, nada impede que possa produzir roteiros “alternativos”, como experimentação. O que quero dizer, enfim, é que esses rótulos não me incomodam. O importante é você está consciente do público para quem está produzindo para não se frustrar. Acredito que quem trabalha com HQs quer mesmo é ser lido.  

7 – Muito bem, considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há décadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?

A situação das HQs atualmente é bem diferente da época em que comecei, participando da Maturi na década de 1980. Havia muita dificuldade para se conseguir imprimir as revistas. Nos anos 90 o pessoal do Reverbo lutou bravamente tentando emplacar seu material em bancas, competindo com o material estrangeiro.

Depois veio o projeto Revista Maturi, com a publicação em formato grande, impressão em offset e com páginas em cores, o Projeto Primeira Impressão, Marcos Guerra e o selo  K-Ótica com inúmeros títulos publicados, o selo de Milena Azevedo e Brum. Percebe-se pelo volume de publicações e de Grupos envolvidos com a produção de HQ no Estado, que o Quadrinho potiguar vem evoluindo e se fortalecendo cada vez mais. Os artistas estão mais articulados, há mais facilidade de se editar e, se ainda não temos um mercado consumidor, por outro lado a parte de produção está muito mais organizada e se profissionalizando. Esse é o caminho.

Com relação ao mercado, hoje com a internet as vendas acontecem mais facilmente. Festivais e feiras de HQs ajudam na divulgação da produção local. É preciso mais eventos, exposições, revistas para veicular nossa produção. Tem muito artista (desenhista/roteirista) e pouco espaço para publicar. É preciso se pensar em estratégias de divulgação e distribuição do material produzido e, acima de tudo, é preciso  estar atento com a qualidade da produção.

8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as  hqs POTIGUARES que lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum sentido nesse ou em outros anos?

Muita coisa boa tem sido produzida no Rio Grande do Norte. O pessoal mais novo, cheio de gás, tem produzido muito. Alguns trabalhos ainda não atingiram a qualidade desejada, mas com o tempo isso acontecerá, sem dúvida.

Uma das HQs que mais me surpreenderam foram os Guerreiros das Dunas, que eu considero um marco do quadrinho potiguar. As HQs da parceria Beto Potygura e Wolclenes na revista Maturi são fantásticas, roteiro e desenhos. Ivan Cabral com seu texto certeiro e desenhos primorosos, também na Maturi, foram uma grata surpresa, uma vez que HQ não era muito sua praia. Gostei muito de Cajun, de Jamal Singh e Wendell Calvacanti... e tantas outras HQs, que enumerá-las aqui tornaria essa lista longa demais.

 

9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes e se possível, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?

Eu tenho visto muita coisa boa dessa nova e promissora geração de quadrinhistas potiguares, como Marcos Guerra, Jamal, Milena Azevedo, Jozeniz, Mario Rasec, Deuslir, José Veríssimo, Wolclenes, Carlos Alberto, Gabriel Andrade e tantos outros. Além desses autores, tem muita gente boa envolvida com quadrinhos no RN, alguns ainda não estão totalmente prontos, mas com grande potencial.

Vou falar então de artistas que conheço há mais tempo e cujo trabalho venho acompanhando mais de perto.  Existem, no entanto, vários outros autores cujos trabalhos admiro e sem dúvida fariam parte de uma listagem mais abragente.

-Eu gosto muito do trabalho de Emanoel Amaral, tanto  roteiros quanto desenhos. Os Guerreiros das Dunas é uma “senhora” HQ, repleta de ação, suspense, reviravoltas. Emanoel escreve roteiros com uma facilidade de dar inveja. O cara é muito criativo e tem muito conhecimento da estrutura do roteiro, sabe como construir uma boa trama. Tenho aprendido muito com ele.  Pena que não se dedique tanto aos quadrinhos.

-Marcio Coelho é um artista completo que escreve e desenha em qualquer gênero e utiliza variados estilos de desenhos. Marcio amadureceu muito como roteirista e seus roteiros estão cada vez mais enxutos, fruto do estudo constante. Eu tive o prazer de ler em primeira mão inúmeras HQs suas ainda inéditas. São histórias curtas, verdadeiras crônicas visuais, algumas sem uso de balões. Quem sabe um dia, para nossa alegria, ele publica esse material.

-Beto Potiguara é um roteirista criativo e eficiente. A estrutura de suas HQs é coesa, sintética, tudo muito bem encaixado. O ritmo narrativo, os diálogos convincentes nos  prendem e nos conduzem ao desfecho da trama. A prova disso é o material publicado na revista Maturi no projeto Primeira Edição.

Teria muitos outros autores que eu gostaria de citar aqui, mas como você disse, você foi sacana (risos).

 

10 – Não precisa dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas fora essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria de escrever?

Como já disse, eu gosto de contar histórias, seja de ficção, fantasia, terror, humor. Venho trabalhando em alguns projetos de HQs já há bastante tempo, desenvolvendo roteiros e planejando a quadrinização, nos gêneros acima citados. Espero em breve concluir parte desse material e publicá-lo.

Quero agradecer pelo convite e espero ter contribuído de alguma maneira.

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