sexta-feira, 17 de abril de 2015

ENTREVISTAS COM ROTEIRISTAS POTIGUARES DE HQS




EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas especificidades.
ônia e compreensão de sua parte e saibam que tenho respeito a todos. Muito agradecido por tudo.

Mini biográfia

Milena Azevedo nasceu em Natal, no dia 29 de Janeiro de 1977. É historiadora (com mestrado na mesma área pela UNISSINOS/RS), poeta, contista, roteirista e letreirista de histórias em quadrinhos. Trocou a catedra de História pelo Universo das histórias em quadrinhos, pois sabe que esta fazendo historia de qualquer jeito.  Atualmente se divide entre a escrita de roteiros, letreiramento e diagramação de HQs, e a organização de eventos de cultura pop em Natal.





ENTREVISTA COM MILENA AZEVEDO

1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?

      Escrevi meu primeiro “roteiro” aos onze anos de idade. Tive a ousadia de tentar criar uma trama para o jogo Jungle Hunt (do saudoso Atari). Ainda tenho guardado esse “roteiro”, que foi datilografado em 1988. E como eu gostava (e gosto) bastante de cinema, escrevi mais uns outros três até 1990. Na escola, eu adorava as aulas de teatro e também cheguei a escrever umas peças e a dirigi-las. Ao chegar à faculdade, me voltei à escrita de poemas e de contos. E após muitos anos dedicados aos estudos acadêmicos (sou formada em História, com mestrado na mesma área) e à docência, eu resolvi jogar tudo pra cima e deixar a sala de aula para abrir uma comic shop (a Garagem Hermética Quadrinhos - GHQ). Foi justamente nesse período que me veio a vontade de voltar a escrever roteiros, mas agora roteiros para quadrinhos. No início, eu me recusava a seguir os ditos “manuais” de roteiro (nunca consegui gostar muito de Syd Field), mas após ler Story, do Robert McKee, tudo mudou. Ele me abriu os olhos para a necessidade de o roteirista ter total domínio sobre tudo o que está escrevendo, não apenas trama, sub-tramas e personagens, mas saber elaborar bons pontos de virada e conflitos fortes, manter o ritmo, alternar os valores de abertura e fechamento das cenas, pensar em bons elementos de transição entre as cenas/sequências... enfim, toda a parte técnica. Após estudar McKee eu aprendi a ver como faz diferença um roteiro bem escrito. E aconselho a todos os aspirantes a roteiristas (até mesmo desenhistas que também escrevem) que estudem McKee e Doc Comparato. Hoje, tenho mais de vinte roteiros escritos (sem contar os 41 roteiros curtos que fiz para o Visualizando Citações - vols.1 e 2 – sim, o vol.2 deverá sair em 2015), alguns já publicados em coletâneas locais (Maturi #3 e #4), nacionais (Subversos, Monotipia) e internacionais (Zona Gráfica #3 e BDLP #4), e outros ainda à espera do desenhista certo.

2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?

     Um dos primeiros quadrinhos que mexeu comigo pra valer foi X-men – O conflito de uma raça (escrito por Chris Claremont e desenhado por Brent Anderson), primeira graphic novel publicada pela editora Abril, em 1988, quando eu tinha 11 anos. Senti a dor daqueles personagens, entendi as razões pelas quais Magneto tem ojeriza aos seres humanos e sua revolta aos atos conciliatórios entre mutantes e humanos que Xavier tanto almeja.  A partir daí, passei a adorar os X-men e a me importar mais com os conflitos dos personagens do que com as sequencias de ação e as tramas mirabolantes das HQs de super-heróis. Essa mesma coleção também me fez conhecer Will Eisner (O Edifício) e Alan Moore (A piada mortal), duas grandes influências para meu trabalho.

3 – Então, observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.

     Confesso que ficção científica é minha praia, mas tenho um enorme prazer em escrever tramas e diálogos nos quais a ironia se faça presente, focando em comédia, drama e tragicomédia, como mostram meus trabalhos O Teste, Black ET Blanc, A fã, O Guarda-vidas.  

4 – Muito bem, gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito  e que nem sempre são temas muito faceis de serem abordados e aceito pelo grande público leitor?

     Acredito que até agora, Black ET Blanc tenha sido a trama mais delicada que já elaborei, pois envolve a questão do grande preconceito étnico que existe principalmente no Sul nos Estados Unidos. E a trama se passa no início da década de 1960, antes das discussões sobre os direitos civis e a igualdade étnica, levantados pelo Martin Luther King. Ainda há um elemento “surpresa” (que não posso revelar para não dar spoiler) que “acalora” um pouco as coisas.

5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de seus roteiros?

     Como mencionei anteriormente, gosto de trabalhar a ironia, então posso dizer que ela é meio que minha “marca registrada”. No entanto, experimentar sempre é bom. Sair da zona de conforto expande os horizontes e nos torna roteiristas melhores.

 6 – Essa pergunta é capciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo principal?

      Bom, eu me considero “independente”, mas não tenho problema se precisar ser “comercial” ou “alternativa” quando me for solicitado. No “comercial”, você esqueceu de mencionar que há a figura do editor, pois está ligado a editoras (sejam elas pequenas ou grandes), cujo objetivo é publicar algo com alto potencial de venda. Tive uma experiência recente com a vertente “comercial”, e foi preciso ter jogo de cintura para empregar algumas mudanças sugeridas e conduzir a trama de uma forma que não ficasse tão distante do que eu havia imaginado.

7 – Muito bem, considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?

     Quando situações adversas nos batem à porta, cruzar os braços não nos levará a lugar algum. Então, ao invés de reclamar e se acomodar, aos poucos os nordestinos estão mostrando que sabem fazer quadrinhos tão bons quanto os paulistas/paulistanos, gaúchos e mineiros. A gente pode não ter tantas oportunidades e nem o poder aquisitivo da porção Sul do país, mas temos dois grandes nomes dos quadrinhos de super-heróis do mercado norte-americano (Mike Deodato e Ed Benes), temos eventos que estão crescendo quantitativa e qualitativamente (Sana, Super-Con, FLiQ), incentivando, assim, mais pessoas e grupos a produzir e a estudar para produzir mais e melhores quadrinhos, preocupando-se também com a qualidade gráfica dos mesmos, botando o amadorismo para escanteio. Eu acompanho o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte) desde 2007, e tento a cada ano estar presente em algum evento de quadrinhos e cultura pop Brasil a fora (já fui ao Multiverso/Porto Alegre, Rio Comicon, Anima Mundi, HQPB, Quanta Con/SP e Comic Con Experience/SP). O que venho notando de uns cinco anos pra cá, mais ou menos, é o aumento de público para o quadrinho nacional. Aqui em nosso estado, a maior parte desse público não é formada por aquele leitor “tradicional”, mas por pessoas que compram HQs feitas por amigos, familiares ou pelo “hype” do título. O ideal é que esse leitor “ocasional” se contagie pela arte sequencial e passe a ler o que é produzido no estado, no país, e não apenas o trabalho do “amigo”. E cabe a nós, quadrinistas, não sermos “fominhas” e apresentarmos a esses “leitores em potencial” tudo o que está sendo produzido de bom por aqui, pois só assim a gente vai conseguir quebrar o preconceito que ainda há em relação aos quadrinhos e criar um mercado local real para nossas produções.  

8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?

     Quando eu estava à frente da GHQ, conheci muitos quadrinistas (de Natal e do interior do RN). Um deles foi Wanderline Freitas. Aquele “baixinho” de São Rafael tem ideias incríveis e não para de criar. Foi uma surpresa conhecer seus personagens Urubu Man e Eni Guimá (até dei alguns “pitacos” na HQ Eni Guimá e o Diamante Vale Ouro). E gostei bastante da quadrinização que ele fez do meu conto Fracassos Falsos. Naquela época (dez anos atrás), também tive contato com Wendell Cavalcanti, Diorge Thomas, Gabriel Andrade Jr., Victor “Estivador” Negreiro, Guerra, Miguel Rude, Joseniz, Tati Viana, Giovana Leandro, Fernando Paiva, Lula Borges, Carlos Alberto (o “Galego”) e todo o pessoal do GRUPEHQ, e fiquei sabendo que havia muita coisa boa (e algumas nem tanto, pois é preciso falar a verdade) produzida em nosso estado, bem como projetos que estavam tomando forma. Como uns projetos se materializaram e outros ainda não, prefiro não falar em “obras”, mas em potencial criativo. E desses nomes todos que citei, o de Gabriel Andrade Jr. foi o que me chamou mais atenção (principalmente quando ele revelou que estava fazendo um longa-animado na raça: escrevendo, desenhando, colorindo, animando, editando e fazendo a trilha sonora), pois era um músico, que desenhava por hobby, e hoje é o segundo brasileiro a ter a honra de desenhar um roteiro do Alan Moore. Ele merece o sucesso e o reconhecimento, principalmente por manter a humildade.

9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?

     Então, vamos nos restringir a três roteiristas conforme nos foi solicitado. São eles: Beto Potyguara, Marcos Guerra e Diorge Thomas Trindade (que agora é Jamal Singh). Beto Potyguara descobriu como casar História e humor de uma forma bem bacana, fazendo um primoroso trabalho com Os Notáveis (que é uma espécie de Liga Extraordinária com personalidades da História do Brasil) e com Carcará: cabra pió num há. Guerra sabe trabalhar muito bem os conflitos dos personagens e os elementos simbólicos nas tramas, com destaque para Titanocracia e O Evangelho segundo o sangue. E Jamal é um profundo conhecedor do western (com ênfase na vertente europeia) e da ficção científica, e também domina a ficção histórica. Sua parceria com Wendell Cavalcanti ainda promete muitas coisas boas no futuro. Até o momento, Cajun é o seu trabalho de maior destaque.

10 – Não precisa dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas  fora essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria de escrever?

     Tento ser eclética, e o único gênero que realmente sinto desconforto em escrever é o terror, pois nunca fui muito fã do mesmo.  Em 2015, irei participar de duas coletâneas nacionais: Máquina Zero – vol.2 (com a HQ “A fã”, que é tragicômica) e Imaginários em Quadrinhos – vol.4 (com a HQ “Ennya”, uma ficção científica). Tenho duas séries que pretendo reelaborar para o formato graphic novel: Força Verde (uma aventura ecológica infanto-juvenil), projeto que venho desenvolvendo com o desenhista e artista plástico pernambucano Quihoma Isaac, e que tem o aval da atriz e ativista ecológica Daryl Hannah, e Loquazes (que deverá mudar de nome), um drama do cotidiano com personagens de vinte e poucos anos. Entre 2013 e 2014, fui contratada para adaptar uma peça para quadrinhos e para escrever meus primeiros roteiros “sérios” para cinema (um drama de longa-metragem e uma comédia de humor negro em curta-metragem) – infelizmente não tenho a menor ideia de quando algum deles vai sair do papel, pois depende da boa vontade do meu contratante em finalizar os projetos de ambos e inseri-los em alguma lei de fomento. Atualmente, estou escrevendo o roteiro de minha primeira graphic novel, uma ficção científica com estética steampunk, que será desenhada pelo paulista Ichirou, que fez um trabalho incrível para o Visualizando Citações – vol.2.


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