EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o
modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas
obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o
roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia
ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor
de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero
reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre
os quadrinhos potiguares e suas especificidades.
MINI
BIOGRÁFIA:
Lula
Borges é desenhista, artefinalista, colorista e editor de quadrinhos,
desenvolve roteiros desde 11 (1980) anos e atualmente se dedica a educação
junto a arte e tecnologia como professor de artes no estado do RN, além de ser
músico, cineasta, animador e empresário do setor de animação em Natal/RN, o
qual trabalha desde 2002. A partir de 2010 trabalha com produção de filmes de
ficção e documentários, além de desenvolver serviços específicos de modelagem
3D e efeitos especiais para produções audiovisual.
ENTREVISTA:
1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do
ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a
fazer roteiros sobre quadrinhos?
Eu que agradeço o espaço cedido,
especialmente pelo fato de que normalmente se entrevista desenhistas, deixando
os criadores das histórias sempre de fora,
tirando um ou outro grande nome, normalmente mundial. Comecei a criar
roteiros a partir dos meus 11 anos, acredito, faz muito tempo, a idade do
herói. Nunca fui um aluno muito extrovertido, tinha meus amigos, mas poucos e
sempre andava sozinho. Lia muita revista em quadrinho da editora Abril, quase
não conhecia as da Ebal, esta com muitas histórias de herois, como super-homem,
Batman, Flash, pela Abril, normalmente eram revistas em quadrinhos de humor,
como Pato Donald, Luluzinha, Scoobydoo, entre outras, mas tinha uma que me
chamava atenção e passei a colecionar elas por alguns números. A Astos HB, uma
coletânea da Hanaa Barbera com vários personagens, de todo tipo do mais
zoomórfico, como Dom Pixote ao mais anatomicamente proporcional como o Homem
pássaro ou Flash Gordon, eu adorava aquela revista. Ao ir a aula de educação
física, no mês de setembro de 1982 criei meu primeiro personagem, o Superveloz,
dai pra cá não parei mais.
2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria
de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram,
despertando você para esse universo dos quadrinhos?
O primeiro exemplo está ai, na primeira
pergunta, no entanto, devo salientar que o primeiro incentivador foi o desenho
Super Amigos, que passava na TV Globo pela manha, era o Globo Cor Especial e
esse desenho me fez criar histórias surpreendentes e ingênuas também, no
entanto, nunca parei de fazer esse tipo de história. Pois está no cerne dos
leitores. Quando eu me proponho a ler ou ver alguma história eu crio um acordo
com o que vou ler ou ver. O acordo é que a mesma seja verossímil para mim,
independente de ser uma história espacial, religiosa, pré-histórica ou de ratos
falantes. Eu sempre soube dessa peculiaridade em fazer histórias e o faço até
hoje. Uma outra influência foram os filmes de Super Cine, das noites de sábado
da também Globo. Falo assim da Globo pois, para nós seres midiáticos dos anos
1980, ou você assistia a Globo ou a TV Universitária, não existindo outra TV
além das duas aqui em Natal. Bem, os filmes de Super Cine eram normalmente
filmes Noar, o qual não existiam fins, não aqueles fins holliwoodianos ou mesmo
fins que não eram comuns em filmes de outras sessões como tela quente ou sessão
da tarde normalmente. Aos 14, 15 anos entrei numa escola de artes aqui em
Natal, o Atelier Central que tinha um grupo de quadrinhos o GRUPEHQ e lá eu
tive todo o aprendizado a fazer as histórias com os benditos começo, meio e fim
que até aquela data eu sofria muito a fazer e também os grandes artistas que
para mim foi uma porrada na cara, como João Antonio, Marcio José (hoje Marcio
Coelho) e Gilvan Lira, mas principalmente o Carlos Alberto (galego), ele tinha
um pensamento próximo ao meu enquanto os outros ou eram regionais demais ou
eram ficcionistas demais, o qual não me ganhavam por certa arrogância e
desmerecimento do meu trabalho, o qual queria trabalhar com super herois,
enquanto todos, especialmente pela passagem política daquela época, ou queriam
fazer algo muito ligado a nossa cultura, ou queriam fazer histórias espaciais,
mas certamente contra os heróis típicos dos estados unidos. Nessa época também
conheci a revista Heavy Metal e compreendi o que muitos deles queriam: uma
Heavy Metal Tupininquim, mas na minha cabeça eu pensava: se eu sou um vendido
ao império por ler e querer fazer super herois, eles são vendidos por lerem e
quererem fazer essa Heavy Metal também e nunca parei de fazer meus personagens.
Essas duas influências foram meu guia por um bom tempo e hoje ainda busco um
meio termo entre as duas: histórias ingênuas que busquem algo diferente ao
público.
3 – Então, observando suas motivações e influências
quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros
leitores de seus quadrinhos.
Interessante essa pergunta, pois para
quadrinhos quero continuar criando histórias de heróis, sempre, mesmo com o
pouco tempo que tenho hoje, mas quando fala-se de histórias para filmes ou
desenhos animados eu penso em algo totalmente diferente, falar do cotidiano,
falar de pessoas, falar de magia, mas algo real, ligado ao dia a dia dos
moradores de nossas ruas, dos pais e filhos que vão a escola; histórias para se
emocionar, ter raiva, rir, sentir o coração pequeno em certas situações. Se
algum dia surgir alguma ideia de filme de heróis, posso fazer em filmes, mas
minha intenção disso é apenas para quadrinhos.
4 – Muito bem,
você poderia falar um pouco sobre a forma de escrever roteiros e suas
preferências, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a
abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito e que nem sempre são temas muito fáceis de
serem abordados e aceitos pelo grande público leitor?
Eu normalmente começo uma história pelo
fim ou com algum fim, a ultima que criei foi sobre o descarte de lixo em uma
animação de 12 minutos. Sabendo o tema, acho os personagens mais direcionados
para o que vou escrever e começo. Nas minhas histórias é comum não haver
vilões, ou ao menos inimigos muito fortes, necessitando do protagonista usar a
inteligência para resolver ou a didática para tal. Isso pode parecer enfadonho
lendo por aqui, mas vendo a história você vai dormir kkkkkkkkk . Só existiu um
episódio o qual fui bastante criticado: o meu suicídio virtual, onde em
protesto contra a fundação José Algusto e a Capitania das Artes eu fiz o papel
de suicida e atirei na minha cabeça, não foi uma história muito bem elaborada,
logo por que eu próprio era o ator também, mas por não avisar ninguém (nem
podia), ao verem o vídeo, todos que eu conhecia no Brasil, se comoveram, outros
se indignaram comigo, outros com o sistema, enfim, foi uma performance que
acabou influenciando as opiniões do povo todo, no outro dia informei que era um
ato de protesto de minha parte contra o sistema cultural do Rio Grande do Norte
e acabei por criar inimigos que até hoje não falam comigo e amigos que nunca me
deixaram na mão. O vídeo está no youtube https://www.youtube.com/watch?v=uYVTx8Z1FEU e pode ser assistido a qualquer hora. O
ápice é depois dos 9 minutos quando finalmente puxo o gatilho e “morro” .
Existem outras histórias a contar, mas essa foi a mais forte. Fora isso minhas
histórias são sempre, como falei acima, ingênuas e fáceis de “beber”
5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma
a estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através
de seus roteiros?
A estética é um desenvolvimento que só o
tempo vai definindo. A cada história criada, um pedaço do artista fica na mesma
e experimentar é a máxima em toda história. Acredito que venho fazendo um trabalho
contínuo, desenvolvendo histórias que acabam por ser um pouco de mim e ao mesmo
tempo falar um pouco do outro. Quero ainda fazer muitas histórias, assim o
mundo saberá quem sou ao mesmo tempo que falo do próprio mundo.
6 – Essa
pergunta é capciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se
considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e
divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever
para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo
(underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas,
sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo
principal?
Comercial, com certeza, mas todas essas
especificações acabam por ser uma só. Você é comercial seja onde for. O alternativo
(underground) afirmado na pergunta tem seu nicho, com o segmento quem compre,
então é comercial de qualquer forma. No entanto o que respondi é que quero
fazer histórias para a massa, consequentemente, conforme os românticos do
século dezenove, tenho que ganhar meu público a cada história, enquanto vou
tentando, acabo por ter que fazer tudo as minhas custas, sendo um independente,
no final das contas.
7 – Muito bem, considerando que como quadrinista
inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há
décadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e
especificamente, o quadrinho potiguar?
Até algum tempo atrás eu não via muito
futuro no quadrinho regional ou potiguar histórias muito parecidas, desenhistas
preguiçosos, falta de estrutura de vendas, que é o mais importante, no entanto
com a entrada das feiras de quadrinhos, de cosplay, lojas específicas,
acredito, hoje que tenhamos futuro, ao menos por algum tempo. Devemos investir
em roteiristas cada vez mais pois é a partir deles que surgem as histórias, as
lendas, os mitos e, claro , o comércio, as vendas, o lucro. Acredito que
possamos ainda viver tranquilamente por algum tempo com essa expectativa, inclusive
com artistas fazendo trabalho para outros estados e países. Isso dá um gás a
mais na produção e consequentemente consumo.
8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as
hqs POTIGUARES que lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum
sentido nesse ou em outros anos?
Certamente a Maturi foi a minha primeira
referencia quanto a quadrinhos no RN, a revista igapó, Tabefe, Gibizine, entre
tantas outras que me somem da memoria, mas a maior influencia mesmo foi a
Epopéia potiguar, criada por Galego e Luiz Elson, com histórias de super herois
e sátiras aos mesmos. De minha parte, no final dos anos 90 finalmente criei
minha própria publicação junto a Miguel Everaldo, a Bio 47, nos moldes da
Epopéia, mas surgiram outras publicações
criadas por nós como The Negão, de Eduardo Kowalewski e também Portal do
Infinito, que teve apenas uma edição e era voltada ao terror, suspense, mas não
houve novas histórias para dar continuidade. Além da premiada Brado Retumbante,
certamente uma referencia para publicadores futuros. Falei dessas publicações,
pois possivelmente poucos conhecem, mas que no futuro, de alguma forma possa
fazer parte de referencias de novos quadrinistas.
9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas
potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três
roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias
interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a
cada um deles e suas obras?
Emanuel Amaral (guerreiro das dunas),
Francinildo Sena (criador do Crânio e, acredito, o maior roteirista do RN,
tanto pela quantidade quanto qualidade dos roteiros) e o imortal Edmar Viana
(pivete). Existem outros que gostaria de expor, mas a quantidade pedida, faz
uma peneira aparecer no nosso pensamento.
10 – Não precisa dizer que se você esta sendo
entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos
roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além
disso espero muito de você, mas fora essa
pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros
gêneros de historias gostaria de escrever?
Além de quadrinhos, eu sempre trabalhei
com animação, desde 2002 e filmagens de ficção e documentários, a partir de
2010. Acredito que esse é o caminho natural dos roteiristas de quadrinhos. No
meu caso já tenho vários curtas metragens e estou desenvolvendo alguns roteiros
de longas metragens tanto em animação quanto em live action. Dois deles já
estão desenvolvidos, necessitando apenas ajustes pontuais, um sobre parte da
minha vida e outro uma aventura histórica, fora isso tenho vários roteiros de
filmes de longa de ficção científica que gostaria de desenvolver, mas com mais
calma, falando necessariamente do início de destino da raça humana. Não
trabalho muito com ficção científica, mas temos nossas ideias sempre não é
isso?
Agradeço novamente o espaço dado para que
eu pudesse deixar algum registro para a posteridade.
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