EMENTA: O objetivo
dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do
roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando
mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do
desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso,
responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por
contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas
reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas
especificidades.
MINI BIOGRAFIA:
Joseniz Guimarães de Moura nasceu em Natal/RN em 1983, é formado em Educação Artística - Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio grande do Norte (UFRN). Trabalha no Teatro, Quadrinhos, Cinema e Educação. É o fundador do Blog Luz nas Trevas onde faz várias atividades em torno dos Quadrinhos cinema, Hqs e teatro.
ENTREVISTA:
1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre
roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer
roteiros sobre quadrinhos?
Gosto
de contar histórias e a linguagem dos quadrinhos é uma das maneiras que utilizo
para contá-las.
2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de
aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando
você para esse universo dos quadrinhos?
Crise
nas Infinitas Terras de Marv Wolfman e George Pérez publicada na década de 80
pela DC foi a principal influência e a grande motivação em ler e decidir
trabalhar com quadrinhos. É uma grande história envolvendo centenas de
personagens e mundos diferentes. Ao longo dos anos tive outras influências como
Henfil, Angeli, Glauco, Laerte, Katsuhiro Otomo, Kazuo Koike, Moebius, Neil
Gaiman, Paul Dini, Frank Miller, Alan Moore, Garth Ennis, Sérgio Aragonés,
Grant Morrison, Will Eisner, Scott McCloud (vou parar por aqui pois a lista é
grande e olha que só listei autores de quadrinhos)... Também tenho amigos que
também são artistas que me inspiram e me ajudam a seguir em frente. Mas se eu
não tivesse entrado em contato com Crise nas Infinitas Terras eu provavelmente
estaria fazendo outra coisa que não envolvesse arte sequencial. O mais legal é
que tive a oportunidade de conhecer o George Pérez em 2013 durante o FIQ
(Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte) onde fui de Cosplay de
Pirata Psíquico. Mais do que a personificação de minha infância estar presente
ali eu vi um grande ser humano. Um ser humano bem maior que o artista. Milazzo
é do mesmo jeito! Não tem como não se inspirar diante de pessoas assim.
3 – Então, observando suas motivações e influências
quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros
leitores de seus quadrinhos.
Tudo
depende da história que quero contar. Sempre adapto meu traço ao tipo da
história para favorecer a narrativa. No meu traço as histórias são sempre em
sua maioria sombrias ou cômicas (ou as duas coisas) pois é o tipo de história
que tenho prazer em fazer no meu traço (claro que isso não me impede de contar
outro tipo de história as vezes). Mas quando realizo um trabalho em parceria as
possibilidades são maiores pois a minha escrita é um pouco mais ampla que meus
desenhos e me permitem explorar qualquer tipo de gênero ou história que eu
quero contar juntamente com o artista. Tudo depende da história e em se
tratando de quadrinhos eu não consigo visualizar a escrita e a arte sem que
elas se complementem em sua narrativa. Não estou preso a um gênero em
específico. A pergunta que me faço é esta: Que tipo de história eu quero
contar? A maneira de contar a história, traço e narrativa vão surgindo a partir daí. Claro
que isso não é regra fechada posso escrever a história a partir de uma arte
pronta, um personagem ou um sonho por exemplo.
4 – Muito bem, gostaria de saber como é sua forma de
escrever roteiros que abordem os mais diversos temas, além de se possível for,
me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por
acaso você venha ou tenha escrito e que
nem sempre são temas muito faceis de serem abordados e aceito pelo grande
público leitor?
Sempre
tenho alguma coisa a dizer sobre as histórias que conto. A minha preocupação é
se o público consegue captar bem aquilo que quero passar. Se vai ser aceito ou não pelo público depende do
ponto de vista de cada um diante da história e da abordagem que escolhi. E eu
gosto de apresentar vários tipos de abrordagens e pontos de vista sobre o mesmo
tema.
5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma
estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de
seus roteiros?
Existe
muito a se experimentar na estética dos quadrinhos seja escolha dos momentos,
palavras, imagens, enquadramento, fluxo de leitura, personagens, trama.... Mesmo
em minhas tiras que possuem um ar mais cômico elas possuem estéticas bem
distintas entre si. O Reinado da Borboleta Monarca é sobre corrupção e uso um
traço livre e simples; Psycho: Cereal Killer e Heather Lee Curtiskamp são a
minha forma de dizer que o mundo é mais assustador que filmes de terror e
utilizo as cores preto, branco e vermelho; Vida de Nerda é sobre o dia a dia
nerd com um traço que mistura cartum com realismo; Carpe Diem é uma tira
filosófica em que utilizo fotografias que trabalho digitalmente e o Autor em
crise são reflexões pessoais em que experimento tudo isso e outras coisinhas. Quando
uso algo em comum nas HQs como o uso de fotografias,ou a mesma temática, ou
fluxo de leitura inverso, elas apresentam identidade própria e se distanciam
uma da outra. Eu vejo os quadrinhos como uma linguagem única e quero sempre
experimentar possibilidades diferentes.
6 – Essa
pergunta é cabciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se
considera um roteirista de que tipo? Comercial que
escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever
para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo
(underground) que procura a experimentação e a
liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma
consequência e não o objetivo principal?
Sou do
tipo que conta histórias. Quando escrevo algo, espero que o que escrevi seja
lido pelas pessoas. Sempre procuro experimentar e me expressar livremente na
arte que escrevo. Uma vez com a história finalizada eu a conto. Como vou contar
sempre depende da história. Se ela atinge um determinado público ou um público
mais amplo vai depender de como ele reage diante daquela história. É claro que
espero sempre que meu trabalho seja reconhecido e divulgado, venda bem para
bancar outras publicações e eu possa me manter apenas fazendo arte.
Uma
história que ilustra bem o que quero dizer ocorreu em 2011. A História Contos
da Caixa de Cereal: O Cão, publicada na revista Luz nas Trevas: Autor em Crise,
narra a história real de uma menina atacada por um cão raivoso de forma
tragicômica. A menina hoje em dia já é avó e ficou muito emocionada ao ver a sua
história contada na forma de uma história em quadrinhos. A edição rodou de mão
em mão por toda cidade onde o fato ocorreu. Tive uma boa recepção da revista
que esgotou sua tiragem de 500 edições e vendeu bem. Este retorno humano diante
da história naquela cidadezinha no interior e a reação da dona Ana valem muito
mais pra mim do que vender as 500 edições. Quando você está trabalhando com
arte, você trabalha com muitas coisas intangíveis que não podem ser
quantificadas ou qualificadas como se faz com uma revista impressa. E a
história que você contou na revista não é a única história existente pois tem a
história de produção da revista, da consequência daquela história e a história
dos leitores ao conhecer aquela história. Todas estas histórias são
importantes.
7 – Muito bem, considerando que como quadrinista
inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há
decadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente,
o quadrinho potiguar?
É um
bom momento. Tenho três décadas de vida e estou caminhando para a quarta.
Durante este período vi o crescimento não só da quantidade de artistas e de
publicações. Mas outros pontos importantes como os quadrinhos sendo discutidos
nas universidades e escolas com TCC’s, publicações acadêmicas, teses de
mestrado... Surgimento de escolas, cursos, estúdios de quadrinhos e disciplinas
desta arte em universidades. O crescimento de eventos ligados ao tema e
exposições com um intercâmbio maior entre os artistas. Com artistas de outros
estados e países visitando e os artistas nordestinos fazendo o mesmo. Eventos
mesclando outras artes e ciências. Uma imprensa procurando ser mais bem
esclarecida sobre o assunto. E um público cada vez mais por dentro da linguagem
e interessado em ler histórias seja de outros países ou do Brasil.
8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as hqs
POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum
sentido esse ou em outros anos?
Existem
trabalhos que curto bastante no RN como os do Wagner Michael (com o Depois de
tudo apresentando histórias do dia-a-dia fantásticas), Brum (que manda bem
tanto na arte como nos textos de humor), Renato Medeiros (com histórias
sci-fi), Gabriel Andrade (um roteirista tão bom quanto o desenhista que ele é),
Wanderline Freitas (um artista completo de quadrinhos com histórias bem
humoradas, histórias noir e love storys), Cristiane Cavalcanti (que só li uma
página de história mas que achei muito foda), a arte sombria do Leander Moura,
o humor sarcástico da Analu, o humor negro e filosofias nas histórias do Mario
Rasec, a evolução da arte fodona do Wendell Cavalcanti (principalmente com o
trabalho que está fazendo com o Jamal), o trabalho do GRUPEHQ décadas atrás com
o Henfil e Edmar Viana (ou a abordagem mais cultural e educativa de agora)...
Admiro cada um destes e de outros autores seja pelo trabalho, seja pelas
pessoas maravilhosas que são e irei aguardar ansiosamente por novas histórias.
Eu realmente acompanho com gosto a evolução do trabalho de cada um e tenho tido
surpresas agradáveis a cada novo trabalho que eles apresentam. Ser amigo de boa
parte deles me torna suspeito mas sou do tipo que quando vejo algo que não
agrada falo na cara todos os pontos da HQ a serem trabalhados de forma bem
pontual e crítica.
9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas
potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três
roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes
e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles
e suas obras?
Milena
Azevedo, Marcos Guerra e Jamal Singh.
Milena
Azevedo já tinha um trabalho bem legal, mas foi o Visualizando Citações que ela
me surpreendeu por vários pontos. Acredito que o primeiro deles foi ela ter
publicado inicialmente de maneira online no formato webcomic. Já tinha lido
várias hqs neste formato mas a organização editorial foi a mais clean que já
vi. Outro ponto importante foi a experimentação mesclando quadrinhos e
literatura nas histórias contadas (ótimas histórias por sinal) cada uma com um
artista com o traço certo para ela. Por
último gostaria de destacar que o Visualizando Citações as consequencias que
surgiram com a publicação online que foi indicada ao HQ Mix duas vezes seja
como webcomic ou publicação impressa, a campanha feita através do catarse, os
eventos em que ela foi sem falar que serviu como base para o projeto Fronteira
Livre que já ganhou sua publicação impressa através do financiamento colaborativo.
Falando nisso, preciso ler o Fronteira Livre!
Marcos
Guerra com a Graphic O Evangelho Segundo o Sangue fez algo único no estado
misturando história do RN com fantasia e terror. Claro que já teve uma Graphic
da Maturi dos Guerreiros das Dunas (que até hoje não foi concluída) e aliás o
pessoal da Maturi já trabalha há um bom tempo com isso. Quando falo de único
falo na forma que a história foi contada sem se tornar didática demais quase
como um livro ilustrado e trabalhando de maneira excelente a linguagem dos
quadrinhos unindo roteiro e arte perfeitamente. O trabalho também teve
repercussão no meio acadêmico com o TCC de Leandro que obteve aprovação com
nota máxima com um grande público presente. Eu considero este o ápice do Marcos
Guerra (e do Leandro também) e fico no aguardo de algo novo que me surpreenda
tão agradávelmente quanto este trabalho.
Jamal Singh
teve três trabalhos publicados. O primeiro trabalho Cajun (Faroeste Espagueti
puro) foi premiado em recife com o PADA, o segundo Kaur fez parte do álbum
Máquina Zero indicado ao HQ Mix e o terceiro apresentou a primeira parte de uma
boa história do Cajun que estou no aguardo de sua conclusão . Todos três em
parceria com o Wendell Cavalcanti e
todos os três apresentando boas histórias. Dos três trabalhos realizados eu
vejo o Kaur como o mais pessoal do Jamal pois faz uma abordagem contextualizada
históricamente lançando um olhar claro, aventureiro, fantasioso e não
estereótipado sobre os Siques. O Jamal é Sique e é interessante ele mostrar um
novo olhar, o seu olhar pessoal, sobre o siquismo em suas histórias. E o
melhor: sem ser didático e contando com uma boa narrativa de quadrinhos.
10 – Não precisa dizer que se você esta sendo
entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos
roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além
disso espero muito de você, mas fora
essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os
outros gêneros de historias gostaria de escrever?
Luz nas
Trevas é a grande história em Quadrinhos que estou trabalhando. É uma grande história sombria e iluminada ao mesmo tempo. A história
é composta por uma série de histórias fechadas aparentemente sem conexão entre
seus personagens, mas no decorrer da série irão ocorrer ligações entre as
histórias e personagens. A história não é focada em um personagem fixo, mas
alguns personagens podem aparecer em mais de uma história, não necessariamente
a história seguinte. Sou livre pra fazer o
que quiser sem ficar preso a personagens ou gênero. É o trabalho que uma vez
iniciado só pretendo parar de trabalhar nele quando estiver morto ou não tiver
mais histórias para contar (e com 100 histórias escritas até o momento e muitas
idéias aguardando acho difícil de acontecer).
Vou
continuar dando andamento a algumas hqs, como o Vida de Nerda e a tudo que estou fazendo atualmente.
Quanto ao gênero tudo vai depender de que histórias tenho pra contar e ainda
tenho muitas histórias pela frente (e nem todas serão contadas com a linguagem
dos quadrinhos). Além disso vocês podem me acompanhar no meu blog pessoal e nele, além de divulgar meus trabalhos
artísticos, eu falo sobre o que eu achar interessante falar e às vezes eu
escrevo nada de interessante também (ou então não escrevo nada). Ele tem um
foco muito grande em arte (quadrinhos, teatro, cinema, fotografia, música,
dança...), coisas nerds, minha vida e outras coisitas mais. www.cavaleirodastrevasedaluz.blogspot.com.br
Namastê!