terça-feira, 7 de janeiro de 2014

CHEGA AO FIM EVANGELHO SEGUNDO O SANGUE COM UM BELÍSSIMO ENCADERNADO



Depois de quatro anos de historias em quadrinhos, contando a saga de Hugo Ribeiro, o roteirista Marcos Guerra e o ilustrador Leander Moura nos presenteiam com aquilo que se tornou um clássico
das HQs potiguar. O Evangelho chega ao fim na capitania do Rio Grande com o dever cumprido, a saber, mostrar que é possível e tácita a produção nacional de quadrinhos no Brasil. Desse modo, nesses quatro longos anos de produção da historia, que como Hugo Ribeiro, os autores fizeram um verdadeiro sacrifício para que fosse possível contá-la viabilizando o seu possível final, a mesma veio da melhor forma que poderia ocorrer, em um belíssimo encadernado com a historia do começo ao fim.

A mesma foi o resultado de muito trabalho e obstinação dos autores que  foi permeada de altos e baixos e de muito cuidado para poder dá aos fás do Evangelho o termino digno que teve.  Para os dois autores o fim da saga não poderia terminar melhor o seu ciclo, veio com um encadernado belíssimo.  Contudo, não é por que a historia chegou ao fim que sua repercussão se acabará em si, mas com certza repercutirá por vários e vários anos após entre as próximas gerações de leitores e produtores de arte sequencial mostrando que é possível fazer grandes sagas aqui no RN. Se, por exemplo, me dissessem a cinco anos atrás que em Natal haveria uma historia em quadrinhos que conseguiria reunir fatos históricos com imagéticos, de forma atraente acompanhado de um roteiro sagas e inteligente, possuindo uma ilustração atrativa assim como virtuosa, certamente duvidaria e até mesmo riria de quem afirmasse tal pachorra. Contudo, quatro anos depois, Marcos Guerra e Leander Moura tiveram e tem audácia mais do que suficiente para mostrar que fazer quadrinho, de qualidade e explorando o que há de melhor para ser explorado em terras potiguares é possível.

O encadernado marca bem mais do que o fim de um ciclo, ela mostra que há a possibilidade de se imaginar
historias em quadrinhos em nosso pais que contam e divulgam sua cultura, folclore e historia destoando do que o mercado possui, com os seus super heróis anabolizados e mulheres idem . Basta mostrar que uma serie tão pouco divulgada no nordeste e menos ainda no pais, como essa, conseguiu fãs de outros estados em uma simples campanha de boca a boca entre leitores da obra. Talvez por que o foco central da historia seja algo comum e corriqueiro entre as pessoas, pelo menos para nós filhos do seculo 20, que é um caso de "aparente" traição. Que no decorrer da historia e dos personagens, na medida em que suas relações vão se intensificando e começa-se a remexer na historia de cada um, descobrimos tratar-se de um conflito familiar com ares de sobrenatural, pois estamos em meio a um caso de adulterio com o próprio mal. Assim, Hugo Ribeiro descobre que não só sua esposa deitou-se com o "tinhoso" como sua própria filha e corrompida pelo próprio mal. Até mesmo o padre, que deveria representar o que há de mais santo também esta corrompido. Diante de tal constatação o que Hugo poderia fazer, se ainda ama sua esposa e filha? A solução é que deve seguir o caminho do Evangelho e é justamente nisso que consiste a historia.

Longe de ser uma historia univoca sobre fé ou religiosidade, pura e simplesmente, o Evangelho é carregada pelo terror e pelos sentimentos conflitantes, diria até que, apesar de uma historia de "terror" a mensagem que podemos encontrar na pessoa do Hugo Ribeiro, é o perdão. Em toda a saga, o personagem enfrenta mais o seu demônio interior do que, particularmente, o próprio mau judaico-cristão. O que esta em jogo é bem mais do que a alma de Helena (esposa) e de Ana (sua filha), é sua própria convicção de que o perdão é tudo que nos resta no final. 

O roteiro do Marcos Guerra é poético, assim como profundo, pois nos faz refletir sobre a própria existência de cada um de nós nesse mundo. Nos faz pensar em nossa pequenez como indivíduos na condição de se pensar como criatura vivente e que esta inserida entre tantas outras existências. Seu sacrifício não é uma homenagem a dor, mas ao percurso que devemos fazer diante dos problemas que enfrentamos intimamente e no dia a dia, afinal, quem sabe a dor que se esconde no coração de cada pessoa, somente Deus, ou nós mesmos. Não há aqui uma glorificação ao sacrifício que envolva somente a dor como o declarado por Nietzsche a respeito da religião seja católica ou protestante. Mas o personagem passa a refletir sua existência em seu corpo que como o mangue, seguindo as condições naturais das marés, hora esta cheio e hora vazio, tem de se despir a si próprio (nesse caso esvaziar-se de seu egoísmo) para poder encontrar-se e realizar-se como individuo (ou seja, se encher de novos motivos que dê vazão a sua condição de ser vivente, ou seja, que o motive a continuar caminhando como ser humano e, com isso, se aperfeiçoar). Hugo Ribeiro, assim, segue o fluxo do Rio, deixando-se fluir como o bem diz o filosofo Heráclito de Éfeso.

Do mesmo modo as ilustrações de Leander Moura foram ganhando nitidez e evoluindo constantemente com o decorrer da historia. Torna-se impressionante ver, no inicio, os traços incertos e até imprecisos em alguns momentos de Leander e, depois começar a notar paulatinamente o ganho de confiança e firmeza na caracterização dos personagens. Crescemos com ele e com sua elasticidade gráfica, pois imagino a dificuldade em diagramar quadros tão complexos quanto os imaginados por guerra, em seus simbolismos, que ficamos maravilhados com o resultado final. Outro ponto muito positivo, que podemos notar na narrativa gráfica de Leander é a escolha, acertada, já que se trata de uma temática barroca, pois a historia se passa no século XVIII, onde a temática era muito forte, do preto e branco, exemplo de uma historia noir detetivesca ou mesmo nos fazendo lembrar, em alguns casos do impressionismo e também do expressionismo alemão que valorizou muito a narrativa e impôs o climão de século dezoito a narrativa gráfica. Vale apena observar os quadros em que o mangue se destaca e as passagens belissimas que o Leander fez questão de mostrar e montar para destacar o clima datado, isso me agradou demais, do tema em questão que alguns autores, talvez seguindo escolhas mais econômicas, deixassem limpinhos demais o que daria um tom de falsidade a cena. O Leander, procurou ao contrários preencher na medida certa de tons escuros e mais precisos algumas quadrinhos para mostrar, através da adoção, ousada, de preencher os espaços de nanquim para dá ao Hugo mais profundidade e destacar o peso emocional que o personagem exigia na historia. Nesse sentido, o ilustrador conseguiu uma façanha e tanto, pois o efeito conseguiu, pelo menos para mim, passar esse sentimento que me agradou muito.

Emfim, como todo o projeto que chega ao fim, e tê-lo acompanhado intimamente bem, apesar de ter pego o bonde andando, o resultado final, me deixou bastante orgulhoso de ter acompanhado peça por peça, a montagem dessa enorme narrativa gráfica que recomendo a todos adquirir.  Os autores conseguem uma façanha incrível ao concluir o Evangelho, primeiro por ser a primeira Graphic, se não me engano, do RN e em segundo mostrar que é possível se utilizar de elementos reais e criar uma historia, mesmo imagética, misturando teor histórico com ficcional elevando a HQ a um outro nível que não sabemos onde poderá chegar as próximas que virão. Espero poder me surpreender muito mais com os amigos do traço e dos roteiros, por que sei que eles podem e desejam contar as mais belas historias que podemos imaginar ou não. Seja como for, Marcos Guerra e Leander Moura fecham com chave de ouro a saga, Homerica de Hugo Ribeiro na capitania do Rio Grande ou como é mais conhecida por o EVANGELHO SEGUNDO O SANGUE.
Eis um pequeno RELEASE:

O Evangelho segundo o sangue, história em quadrinhos ambientada em Natal, 1810, época da então Província do Rio Grande, é uma narrativa de terror-histórico. Tratando de diversas licenças poéticas e citações artísticas, o encadernado visita os fantasmas dos Portugueses no Forte, espíritos indígenas no mangue, missas
de mortos na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, e nos conduz a uma via crucis de um Pai de família, enlouquecido pela traição conjugal, a penetrar o seio
místico de uma Noiva do Sol tomada pelo mistério em quadrinhos
do Estado: Terá Elena dormido com o Diabo, ou é tudo um delírio?

  Assim, felicito a todos que venham por acaso adquirir essa obra a depositá-la em sua prateleira de Novelas gráficas, do mesmo jeito que fiz, a própria esta ao lado de grandes clássicos como O edifício de Will Eisner, Liga Extraordinária de Alan Moore, Sin City de Frank Miller, Midnight Nation de J. Michel Strazynski entre muitas outras, por que a mesma merece e vale ser comparada com qualquer uma dessas que mencionei.

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