sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

ENTREVISTAS COM ROTEIRISTAS DE HQS POTIGUARES


EMENTA: O objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN, procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e suas especificidades.
OBS: Devo fazer notar aqui o meu incomodo e insatisfação íntima que tenho com esse tipo de entrevista, pois para mim é muito mais sincero e natural falar pessoalmente com o entrevistado do que recorrer a perguntas com conotações meramente de “questionário” ou “pesquisa”. Por isso desde já peço desculpas por tal pajorra de minha parte a vocês, ilustres roteiristas por tal ousadia. Além de que sei que muitas das perguntas são questionáveis, talvez tendenciosas ou quem sabe nada haver, mas que devo confessar que tentei sair do comum e apimentar a entrevista e sair do lenga – lenga do formalismo em que tais entrevistas se tornaram e que nada acrescenta a quem lê. Por isso peço parcimônia e compreensão de sua parte e saibam que tenho respeito a todos. Muito agradecido por tudo.

MINI Biografia
Wagner Michael. Nasceu em Natal em 13/10/1973. Aprendeu a ler com os quadrinhos aos quatro anos. É leitor compulsivo. Coleciona quadrinhos desde os dez anos de idade. É formado em História pela UFRN. Começou fazendo fanzines. Publicou duas edições da Depois de Tudo (2011 e 2013).





ENTREVISTA:

1 – Bem agradeço a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?

Eu aprendi a ler muito cedo (quatro anos) e foram os quadrinhos que me levaram para despertar minha criatividade. Eu fazia minhas pequenas histórias rabiscando cadernos e todo o papel que encontrava, além disso eu criava aventuras com meus bonecos. Tudo servia para eu ficar horas brincando sozinho. Uma vez minha mãe achou que eu tava ficando doido e me levou para um psicólogo e ela levou uma bronca, o cara disse que aquilo era normal e eu era muito criativo. Então ela deixou eu livre para exercitar minha criatividade. Era ela que comprava minhas revistas e quando eu ainda não sabia ler ela mesma que lia para mim. Eu queria fazer as duas coisas escrever e desenhar as histórias que eu imaginava. Durante toda a minha infância e adolescência eu sempre me vi cercado de amigos que também compartilhavam o interesse por quadrinhos. Quem não curtia acabava cedendo a minha fixação por quadrinhos. O que me levou aos roteiros foram duas situações: o curso de História na faculdade, que me ensinou a desfragmentar o que eu via nos filmes, nos quadrinhos, no teatro, e aí foi fácil colocar no papel. Eu me desafiava a escrever qualquer coisa, teatro, quadrinhos, até mesmo  imitar estilos. Deve ser levado em conta que escrevo poesia desde os meus 14 anos e tenho tudo que escrevi está guardado até hoje. A segunda situação foi ter conhecido Wendell, grande parceiro e um talento nato para desenhar. Nasceu com um dom. nos conhecemos em 1992 e desisti de desenhar e passei a pensar nos roteiros. Surgiu uma parceria em ideias e projetos, muitos não realizados. Juntamos a facilidade dele de desenhar e a minha de escrever. Muita criatividade de ambas as partes. Eu me exilei um pouco dos quadrinhos e ele lembrou da nossa parceria e me trouxe para desenvolver os projetos que venho fazendo desde 2010.

2 – Ok, então sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?

Como eu disse, eu aprendi a ler com os quadrinhos. Talvez se não existisse quadrinhos eu demorasse mais a aprender a ler. Foi a minha motivação. Então eu li tudo o que saiu em banca na época que eu era criança. Quadrinhos infantis e infanto-juvenis, terror, tudo o que você imaginar. Eu sou viciado em leitura. Fico ‘stressado’ se não tem o que eu ler. Para completar a minha mãe comprou uma banca de revista em 1980 e daí em diante eu praticamente li tudo. Quando eu tinha uns 10 anos, comecei a me interessar mais pelos quadrinhos de superheróis. Comecei a ler a antiga Heróis da Tv da editora Abril. Minha mãe trazia algumas sem capa para eu ler e me deparei com a série do Adam Warlock, do Jim Starlin, aquelas histórias me despertaram para um aprofundamento filosófico. Eram debatidas questões que fugiam do básico de heróis. Aliás os quadrinhos da Marvel trabalhavam os problemas e dramas que qualquer pessoa poderia ter, mas Warlock ia mais além. Na revista do Capitão América, deparei com o traço de John Byrne, numa fase espetacular. Comecei a ficar muito fã da Marvel e logo chegou os outros títulos na Abril e me aprofundei em outros personagens: Demolidor, Frank Miller; Surfista Prateado; Shang Shi desenhado pelo Mike Zeck; e tantos outros. Mas o melhor estava por vir: X-Men de Chris Claremont e Jonh Byrne, a fase da morte da Fênix. Virei fã dos X-Men e as pessoas me confundiam com o Wolverine. Em relação a DC, eu lia muito antes da Abril começar a publicar suas hqs. Eu achava muito tosco o material publicado pelas outras editoras. Vendia muito quadrinho naquela época e só havia preocupação em vender mesmo. Na abril, começou com tudo, mas o que me chamou muita atenção foi Camelot 3000 (Mike Barr e Brian Bolland), história adulta e bem polêmica, mas uma excelente leitura, além dos excelentes desenhos. Os Novos Titãs eram interessantes. O Batman, Cavaleiro das Trevas e Ano Um. Superhomem de John Byrne. A Liga da Justiça sem noção. No final da década veio Watchmen (Alan Moore) e Monstro do Pântano (Alan Moore) que lembrava um pouco os dramas do Surfista e do Warlock. V de Vingança (Alan Moore) ensinando a gente o que é revolução. John Constantine, que era um personagem secundário do Monstro do Pântano. De repente fui fisgado por Sandman (Neil Gaiman), onde me deparei com uma das melhores histórias que já li até hoje: Estação das Brumas. O mais interessante é que ainda não publiquei nenhuma história baseada na minha influência. Segui pelo lado das histórias do cotidiano, que são bem definidas por Marcos Guerra, pergunte e ele vai fazer uma análise profunda. As minhas histórias publicadas são baseadas nas situações que vivi e que algumas pessoas me contaram.

3 – Então, observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.

Eu tenho muitos projetos de roteiros que estão para se tornar realidade. Posso afirmar que eu escrevo aventura, ficção, humor, suspense, terror e qualquer gênero que eu resolver escrever. Eu tento sempre mostrar um pouco de realidade nas histórias. Não tenho um gênero definido, mas as histórias estilo ‘Depois de Tudo’ vou continuar fazendo.

4 – Muito bem, gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito  e que nem sempre são temas muito fáceis de serem abordados e aceito pelo grande público leitor?

Não tenho problema com temas delicados. Toda história contada tem uma mensagem para o leitor. O entendimento dessa mensagem depende do ponto de vista de cada um. Ainda não fui polêmico nas minhas histórias, mas pretendo. Acredito que os temas delicados servem para refletirmos sobre nossas posições. Não podemos é ficar baseando nossas posições na visão dos outros, no que a sociedade chama de politicamente correto ou no senso comum. Acho interessante temas polêmicos mas sem exageros como alguns autores americanos que apelam para violência desnecessária ou toca em assuntos polêmicos porque vendem muito nos mercados. É preciso bom senso para escrever roteiros bons.
Quanto a forma de escrever meus roteiros, faço muitas anotações e saio fazendo um quebra-cabeça até a história ficar pronta. Pode durar uma hora ou até semanas. Depende do grau de inspiração. Como não é uma profissão minha, gostaria que fosse, eu defino os meus prazos. Não me pressiono muito. Se por acaso trabalhasse para uma editora teria outra postura. Tenho facilidade de me adaptar. Quanto a inspiração, as ideias surgem e anoto logo ou conto para alguém. Depois começo a desenvolver o processo de escrever.

5 – Você possui alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha como objetivo experimentar através de seus roteiros?

Nunca parei para pensar sobre isso. Talvez alguém que tenha lido minhas histórias possa observar se tenho uma estética própria. Sei apenas que não tenho nenhum apego com regionalismos. Escrevo uma história que possa ser vivida em qualquer parte do mundo. Posso escrever sobre assuntos locais e históricos, mas não tenho intenção de ser didático. Eu escrevo o que eu gostaria de ler.

 6 – Essa pergunta é cabciosa, para não dizer sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma consequência e não o objetivo principal?

Eu escrevo para ser  lido. Se consigo fazer alguém ler minhas histórias fico feliz. Se gostou ou não também fico bem. Não podemos agradar a todos. Se o autor pensar em agradar a todos ele corre o risco de perder sua identidade e ficar frustado. Todo mundo quer que seu material seja comprado, se isso for ser comercial todos somos, porque infelizmente precisamos tirar do nosso bolso para poder produzir. Temos pouco apoio e a maioria dos artistas não são bons vendedores. Se ser independente é não seguir nenhuma linha editorial, seguir sua intuição, pode me enquadrar. São poucas pessoas que podem mudar o rumo das minhas histórias. Não tenho um público específico, ou pelo menos não vejo isso. Não sou tão experimentador assim, mas sou underground porque não tenho uma distribuição certa. Quem vende minhas revistas sou eu mesmo. Não sou muito conhecido. Quem me conhece mesmo é quem curte quadrinho local. O máximo que consegui foi uma crítica bem positiva na Mundo dos Superheróis. Mas continuo desconhecido do grande público.

7 – Muito bem, considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?

Se a gente não produzir a coisa desaparece. Vivemos numa região, o que não é muito diferente do país, que não valoriza muita a leitura. O quadrinho é visto com muita indiferença, como coisa de criança ou de alienados. Levando em conta que critica na maioria das vezes não lê nada. Então quem lê quadrinhos sofre um certo preconceito. Aqui no Brasil só é conhecido tudo o que deriva da Turma da Mônica. A fatia do mercado nacional de revistas é muito pequena. Existem poucos leitores. Isso é muito triste porque temos 95% da população alienada e sem entender as coisas que estão acontecendo. Eu aprendi muita coisa com os quadrinhos. Eu li muitos livros importantes porque fui levado pelos quadrinhos. Quadrinho é coisa de gente CULTA, significa que muitos brasileiros estão presos na sua ignorância alienada. A educação não é levada a sério. Os governos estão preocupados apenas com números percentuais para apresentar para uma sociedade que não sabe interpretá-los. Minha visão não é muito otimista. Aqui no RN não é muito diferente do resto do Brasil. Nossas revistas só podem ter a tiragem de no máximo 500 exemplares. Não é uma perspectiva muito animadora. São apenas quinhentos leitores que podemos atingir e a maioria são do meio dos quadrinhos ou amigos. Não sei quanto tempo o quadrinho potiguar dessa geração vai resistir, espero que por muito tempo, mas precisamos de novos leitores e novos divulgadores dos nossos quadrinhos. Outra coisa que precisamos é de roteiristas. Temos um grande número de desenhistas excelentes aqui no RN, mas roteiristas bons são poucos. As histórias não podem ser só imagem. Sem roteiros não temos histórias em quadrinhos. Teremos apenas artbooks. Precisamos de mais roteiristas porque a essência do quadrinho é o roteiro.

8 – Nessa perspectiva, gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?

O material produzido pela K-Ótica é muito interessante. Gosto do estilo e acho que o barulho feito por eles é oxigênio na produção de quadrinhos local. É muita a linha que eu sigo: posso fazer uma história passada em Natal sem ser uma mera representação didática da História local ou dos personagens históricos. Temos que apostar na ousadia para fugir do mais do mesmo.
Gosto muito do que o Miguel Rude escreveu. Ele tem muitas ideias interessantes que se saíssem do papel seriam marcantes. Ele tem a loucura ideal de um roteirista experimentador e ousado, precisa apenas de disciplina para nos mostrar o que tem naquela cabeça.
O Projeto 1ª Edição, que lançou muitos autores e uma parte desses que eu cito. Foi uma grande chance para alavancar a produção local. E isto foi muito importante. Inclusive a Depois de Tudo foi lançada nesse material.
Tenho que falar dos desenhistas talentosos que conheço como Wendell Cavalcanti, que é parceiro na composição das ideias das histórias que escrevo. Leander Moura, um excelente artista que pretendo fazer umas histórias com ele. O multifacetado Wanderline Freitas que não precisa apresentação. O Brum que agora está fazendo roteiros de humor. O grande incentivador e parceiro Jefferson Dênis que tem muitas ideias interessantes. Enfim tem muita gente que acredito que pode fazer a diferença no futuro.
Por último aposto no Jamal Singh. Conheço suas ideias e acho que ele é muito promissor. vi poucas histórias dele, mas acho que ele ainda vai nos presentear com excelentes histórias.

9 – Confesso que já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?

Marcos Guerra, extremamente culto e bastante ativo. Tenho uma afinidade com as suas ideias e ele é um grande incentivador do quadrinho local. Seus roteiros são complexos e dentro de uma perspectiva mais ampla que o RN. Isso me atrai porque precisamos esperar por textos diferentes. O Guerra consegue ser ousado com seus roteiros.
Renato Medeiros, gostei muito da sua maneira de escrever. Buscando uma leitura metafísica da realidade dentro de complexos enredos. Gostei muito da sua revista e fiquei com um gosto de quero mais. Espero encontrar novo material publicado por ele para diminuir minha curiosidade. Não fiquei muito surpreso com o resultado porque conversamos muito sobre o que ele estava fazendo. Muito bom.
Wanderline Freitas, é muito talentoso. Desenha e escreve suas histórias. Tenho uma grande admiração por esse pequeno gênio. Ele tem muito potencial criativo e gosta das histórias do cotidiano. Ele quando gosta de um roteiro vai em frente e bota para quebrar. Adoro sua capacidade de fazer quadrinhos rápidos. É um grande parceiro nas minhas histórias e sou fã de seus trabalhos.

10 – Não precisa dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas  fora essa pressão psicológica qual suas perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria de escrever?

Pretendo escrever muitos roteiros. Tenho muitas ideias anotadas que aos poucos vão se tornando realidade. Estou ampliando minhas parcerias e pretendo me adentrar em outros gêneros. Quero mostra minha versatilidade e ver se agrado outros leitores. Quero agradecer pelo convite para participar do seu projeto. Um abraço e desculpa qualquer besteira que eu tenha falado. Rsr

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