EMENTA: O
objetivo dessas entrevistas é ressaltar o modo próprio de ser da profissão e
trabalho do roteirista/argumentista nas obras de Historias em quadrinhos do RN,
procurando mostrar como e o por quê o roteirista faz suas escolhas em
detrimento do desenvolvimento de uma historia ao invés de outras. Buscando com
isso, responder para o grande público leitor de hqs o que os motiva ou faz
optar por contar historias do que ser um mero reprodutor delas. Além de
compreender suas reflexões, anseios e opiniões sobre os quadrinhos potiguares e
suas especificidades.
OBS: Devo fazer
notar aqui o meu incomodo e insatisfação íntima que tenho com esse tipo de
entrevista, pois para mim é muito mais sincero e natural falar pessoalmente com
o entrevistado do que recorrer a perguntas com conotações meramente de
“questionário” ou “pesquisa”. Por isso desde já peço desculpas por tal pajorra
de minha parte a vocês, ilustres roteiristas por tal ousadia. Além de que sei
que muitas das perguntas são questionáveis, talvez tendenciosas ou quem sabe
nada haver, mas que devo confessar que tentei sair do comum e apimentar a
entrevista e sair do lenga – lenga do formalismo em que tais entrevistas se
tornaram e que nada acrescenta a quem lê. Por isso peço parcimônia e
compreensão de sua parte e saibam que tenho respeito a todos. Muito agradecido
por tudo.
MINI Biografia
Wagner Michael. Nasceu em
Natal em 13/10/1973. Aprendeu a ler com os quadrinhos aos quatro anos. É leitor
compulsivo. Coleciona quadrinhos desde os dez anos de idade. É formado em
História pela UFRN. Começou fazendo fanzines. Publicou duas edições da Depois
de Tudo (2011 e 2013).
ENTREVISTA:
1 – Bem agradeço
a disponibilidade de tempo, do ilustre roteirista para essa entrevista e já
começo perguntando o que o levou a fazer roteiros sobre quadrinhos?
Eu
aprendi a ler muito cedo (quatro anos) e foram os quadrinhos que me levaram
para despertar minha criatividade. Eu fazia minhas pequenas histórias
rabiscando cadernos e todo o papel que encontrava, além disso eu criava
aventuras com meus bonecos. Tudo servia para eu ficar horas brincando sozinho.
Uma vez minha mãe achou que eu tava ficando doido e me levou para um psicólogo
e ela levou uma bronca, o cara disse que aquilo era normal e eu era muito
criativo. Então ela deixou eu livre para exercitar minha criatividade. Era ela
que comprava minhas revistas e quando eu ainda não sabia ler ela mesma que lia
para mim. Eu queria fazer as duas coisas escrever e desenhar as histórias que
eu imaginava. Durante toda a minha infância e adolescência eu sempre me vi
cercado de amigos que também compartilhavam o interesse por quadrinhos. Quem
não curtia acabava cedendo a minha fixação por quadrinhos. O que me levou aos
roteiros foram duas situações: o curso de História na faculdade, que me ensinou
a desfragmentar o que eu via nos filmes, nos quadrinhos, no teatro, e aí foi
fácil colocar no papel. Eu me desafiava a escrever qualquer coisa, teatro,
quadrinhos, até mesmo imitar estilos.
Deve ser levado em conta que escrevo poesia desde os meus 14 anos e tenho tudo
que escrevi está guardado até hoje. A segunda situação foi ter conhecido
Wendell, grande parceiro e um talento nato para desenhar. Nasceu com um dom.
nos conhecemos em 1992 e desisti de desenhar e passei a pensar nos roteiros.
Surgiu uma parceria em ideias e projetos, muitos não realizados. Juntamos a
facilidade dele de desenhar e a minha de escrever. Muita criatividade de ambas
as partes. Eu me exilei um pouco dos quadrinhos e ele lembrou da nossa parceria
e me trouxe para desenvolver os projetos que venho fazendo desde 2010.
2 – Ok, então
sabendo de suas motivações gostaria de aprofundar mais o conhecimento sobre as
hqs que te influenciaram, despertando você para esse universo dos quadrinhos?
Como eu
disse, eu aprendi a ler com os quadrinhos. Talvez se não existisse quadrinhos
eu demorasse mais a aprender a ler. Foi a minha motivação. Então eu li tudo o
que saiu em banca na época que eu era criança. Quadrinhos infantis e infanto-juvenis,
terror, tudo o que você imaginar. Eu sou viciado em leitura. Fico ‘stressado’
se não tem o que eu ler. Para completar a minha mãe comprou uma banca de
revista em 1980 e daí em diante eu praticamente li tudo. Quando eu tinha uns 10
anos, comecei a me interessar mais pelos quadrinhos de superheróis. Comecei a
ler a antiga Heróis da Tv da editora Abril. Minha mãe trazia algumas sem capa
para eu ler e me deparei com a série do Adam Warlock, do Jim Starlin, aquelas
histórias me despertaram para um aprofundamento filosófico. Eram debatidas
questões que fugiam do básico de heróis. Aliás os quadrinhos da Marvel
trabalhavam os problemas e dramas que qualquer pessoa poderia ter, mas Warlock
ia mais além. Na revista do Capitão América, deparei com o traço de John Byrne,
numa fase espetacular. Comecei a ficar muito fã da Marvel e logo chegou os
outros títulos na Abril e me aprofundei em outros personagens: Demolidor, Frank
Miller; Surfista Prateado; Shang Shi desenhado pelo Mike Zeck; e tantos outros.
Mas o melhor estava por vir: X-Men de Chris Claremont e Jonh Byrne, a fase da
morte da Fênix. Virei fã dos X-Men e as pessoas me confundiam com o Wolverine.
Em relação a DC, eu lia muito antes da Abril começar a publicar suas hqs. Eu
achava muito tosco o material publicado pelas outras editoras. Vendia muito
quadrinho naquela época e só havia preocupação em vender mesmo. Na abril,
começou com tudo, mas o que me chamou muita atenção foi Camelot 3000 (Mike Barr
e Brian Bolland), história adulta e bem polêmica, mas uma excelente leitura,
além dos excelentes desenhos. Os Novos Titãs eram interessantes. O Batman,
Cavaleiro das Trevas e Ano Um. Superhomem de John Byrne. A Liga da Justiça sem
noção. No final da década veio Watchmen (Alan Moore) e Monstro do Pântano (Alan
Moore) que lembrava um pouco os dramas do Surfista e do Warlock. V de Vingança
(Alan Moore) ensinando a gente o que é revolução. John Constantine, que era um
personagem secundário do Monstro do Pântano. De repente fui fisgado por Sandman
(Neil Gaiman), onde me deparei com uma das melhores histórias que já li até
hoje: Estação das Brumas. O mais interessante é que ainda não publiquei nenhuma
história baseada na minha influência. Segui pelo lado das histórias do
cotidiano, que são bem definidas por Marcos Guerra, pergunte e ele vai fazer
uma análise profunda. As minhas histórias publicadas são baseadas nas situações
que vivi e que algumas pessoas me contaram.
3 – Então,
observando suas motivações e influências quais os gêneros ou tipos de historias
você desejaria escrever para os futuros leitores de seus quadrinhos.
Eu
tenho muitos projetos de roteiros que estão para se tornar realidade. Posso
afirmar que eu escrevo aventura, ficção, humor, suspense, terror e qualquer
gênero que eu resolver escrever. Eu tento sempre mostrar um pouco de realidade
nas histórias. Não tenho um gênero definido, mas as histórias estilo ‘Depois de
Tudo’ vou continuar fazendo.
4 – Muito bem,
gostaria de saber como é sua forma de escrever roteiros que abordem os mais
diversos temas, além de se possível for, me responder qual a sua posição quanto
a abordagem de temas delicados que por acaso você venha ou tenha escrito e que nem sempre são temas muito fáceis de
serem abordados e aceito pelo grande público leitor?
Não
tenho problema com temas delicados. Toda história contada tem uma mensagem para
o leitor. O entendimento dessa mensagem depende do ponto de vista de cada um.
Ainda não fui polêmico nas minhas histórias, mas pretendo. Acredito que os
temas delicados servem para refletirmos sobre nossas posições. Não podemos é
ficar baseando nossas posições na visão dos outros, no que a sociedade chama de
politicamente correto ou no senso comum. Acho interessante temas polêmicos mas
sem exageros como alguns autores americanos que apelam para violência
desnecessária ou toca em assuntos polêmicos porque vendem muito nos mercados. É
preciso bom senso para escrever roteiros bons.
Quanto
a forma de escrever meus roteiros, faço muitas anotações e saio fazendo um
quebra-cabeça até a história ficar pronta. Pode durar uma hora ou até semanas.
Depende do grau de inspiração. Como não é uma profissão minha, gostaria que
fosse, eu defino os meus prazos. Não me pressiono muito. Se por acaso
trabalhasse para uma editora teria outra postura. Tenho facilidade de me
adaptar. Quanto a inspiração, as ideias surgem e anoto logo ou conto para
alguém. Depois começo a desenvolver o processo de escrever.
5 – Você possui
alguma pretensão de desenvolver uma a estética própria em sua escrita que tenha
como objetivo experimentar através de seus roteiros?
Nunca
parei para pensar sobre isso. Talvez alguém que tenha lido minhas histórias
possa observar se tenho uma estética própria. Sei apenas que não tenho nenhum
apego com regionalismos. Escrevo uma história que possa ser vivida em qualquer
parte do mundo. Posso escrever sobre assuntos locais e históricos, mas não
tenho intenção de ser didático. Eu escrevo o que eu gostaria de ler.
6 – Essa pergunta é cabciosa, para não dizer
sacana, mas necessito fazê-la, você se considera um roteirista de que tipo? Comercial
que escreve para vender e divulgar o seu trabalho apenas, Independente que objetiva
escrever para um determinado público, desejando uma liberdade maior de criação
ou ser Alternativo (underground) que procura a experimentação e a
liberdade de expressão, apenas, sendo que o público consumidor seria apenas uma
consequência e não o objetivo principal?
Eu
escrevo para ser lido. Se consigo fazer
alguém ler minhas histórias fico feliz. Se gostou ou não também fico bem. Não
podemos agradar a todos. Se o autor pensar em agradar a todos ele corre o risco
de perder sua identidade e ficar frustado. Todo mundo quer que seu material
seja comprado, se isso for ser comercial todos somos, porque infelizmente
precisamos tirar do nosso bolso para poder produzir. Temos pouco apoio e a
maioria dos artistas não são bons vendedores. Se ser independente é não seguir
nenhuma linha editorial, seguir sua intuição, pode me enquadrar. São poucas
pessoas que podem mudar o rumo das minhas histórias. Não tenho um público
específico, ou pelo menos não vejo isso. Não sou tão experimentador assim, mas
sou underground porque não tenho uma distribuição certa. Quem vende minhas
revistas sou eu mesmo. Não sou muito conhecido. Quem me conhece mesmo é quem
curte quadrinho local. O máximo que consegui foi uma crítica bem positiva na
Mundo dos Superheróis. Mas continuo desconhecido do grande público.
7 – Muito bem,
considerando que como quadrinista inserido em uma região do país, a nordestina
em que temos a carência de tudo há decadas, qual a perspectiva atual do mercado
de Hqs nessa região e especificamente, o quadrinho potiguar?
Se a
gente não produzir a coisa desaparece. Vivemos numa região, o que não é muito
diferente do país, que não valoriza muita a leitura. O quadrinho é visto com
muita indiferença, como coisa de criança ou de alienados. Levando em conta que
critica na maioria das vezes não lê nada. Então quem lê quadrinhos sofre um
certo preconceito. Aqui no Brasil só é conhecido tudo o que deriva da Turma da
Mônica. A fatia do mercado nacional de revistas é muito pequena. Existem poucos
leitores. Isso é muito triste porque temos 95% da população alienada e sem
entender as coisas que estão acontecendo. Eu aprendi muita coisa com os quadrinhos.
Eu li muitos livros importantes porque fui levado pelos quadrinhos. Quadrinho é
coisa de gente CULTA, significa que muitos brasileiros estão presos na sua
ignorância alienada. A educação não é levada a sério. Os governos estão
preocupados apenas com números percentuais para apresentar para uma sociedade
que não sabe interpretá-los. Minha visão não é muito otimista. Aqui no RN não é
muito diferente do resto do Brasil. Nossas revistas só podem ter a tiragem de
no máximo 500 exemplares. Não é uma perspectiva muito animadora. São apenas
quinhentos leitores que podemos atingir e a maioria são do meio dos quadrinhos
ou amigos. Não sei quanto tempo o quadrinho potiguar dessa geração vai
resistir, espero que por muito tempo, mas precisamos de novos leitores e novos
divulgadores dos nossos quadrinhos. Outra coisa que precisamos é de
roteiristas. Temos um grande número de desenhistas excelentes aqui no RN, mas
roteiristas bons são poucos. As histórias não podem ser só imagem. Sem roteiros
não temos histórias em quadrinhos. Teremos apenas artbooks. Precisamos de mais
roteiristas porque a essência do quadrinho é o roteiro.
8 – Nessa perspectiva,
gostaria de saber quais as hqs POTIGUARES lhe despertaram alguma curiosidade e
lhe surpreenderam em algum sentido esse ou em outros anos?
O
material produzido pela K-Ótica é muito interessante. Gosto do estilo e acho
que o barulho feito por eles é oxigênio na produção de quadrinhos local. É
muita a linha que eu sigo: posso fazer uma história passada em Natal sem ser
uma mera representação didática da História local ou dos personagens
históricos. Temos que apostar na ousadia para fugir do mais do mesmo.
Gosto
muito do que o Miguel Rude escreveu. Ele tem muitas ideias interessantes que se
saíssem do papel seriam marcantes. Ele tem a loucura ideal de um roteirista
experimentador e ousado, precisa apenas de disciplina para nos mostrar o que
tem naquela cabeça.
O
Projeto 1ª Edição, que lançou muitos autores e uma parte desses que eu cito.
Foi uma grande chance para alavancar a produção local. E isto foi muito
importante. Inclusive a Depois de Tudo foi lançada nesse material.
Tenho
que falar dos desenhistas talentosos que conheço como Wendell Cavalcanti, que é
parceiro na composição das ideias das histórias que escrevo. Leander Moura, um
excelente artista que pretendo fazer umas histórias com ele. O multifacetado
Wanderline Freitas que não precisa apresentação. O Brum que agora está fazendo
roteiros de humor. O grande incentivador e parceiro Jefferson Dênis que tem
muitas ideias interessantes. Enfim tem muita gente que acredito que pode fazer
a diferença no futuro.
Por
último aposto no Jamal Singh. Conheço suas ideias e acho que ele é muito
promissor. vi poucas histórias dele, mas acho que ele ainda vai nos presentear
com excelentes histórias.
9 – Confesso que
já fiz uma lista de roteiristas potiguares que gosto, mas serei sacana e
restringirei a lista a três roteiristas que você considera nos últimos tempos
que produziram historias interessantes e se possivel, fizesse um pequeno comentário
sobre sua opinião a cada um deles e suas obras?
Marcos
Guerra, extremamente culto e bastante ativo. Tenho uma afinidade com as suas
ideias e ele é um grande incentivador do quadrinho local. Seus roteiros são
complexos e dentro de uma perspectiva mais ampla que o RN. Isso me atrai porque
precisamos esperar por textos diferentes. O Guerra consegue ser ousado com seus
roteiros.
Renato
Medeiros, gostei muito da sua maneira de escrever. Buscando uma leitura
metafísica da realidade dentro de complexos enredos. Gostei muito da sua
revista e fiquei com um gosto de quero mais. Espero encontrar novo material publicado
por ele para diminuir minha curiosidade. Não fiquei muito surpreso com o
resultado porque conversamos muito sobre o que ele estava fazendo. Muito bom.
Wanderline
Freitas, é muito talentoso. Desenha e escreve suas histórias. Tenho uma grande
admiração por esse pequeno gênio. Ele tem muito potencial criativo e gosta das
histórias do cotidiano. Ele quando gosta de um roteiro vai em frente e bota
para quebrar. Adoro sua capacidade de fazer quadrinhos rápidos. É um grande
parceiro nas minhas histórias e sou fã de seus trabalhos.
10 – Não precisa
dizer que se você esta sendo entrevistado por mim é por que já o considero uma
promessa para o panteão dos roteiristas Potiguares e promessa de grandes
historias para o futuro, além disso espero muito de você, mas fora essa pressão psicológica qual suas
perspectivas de roteiros futuros e qual os outros gêneros de historias gostaria
de escrever?