O HORROR SERTANEJO DE MARCIO BENJAMIN
Hoje em dia não precisamos procurar muito entre os
escritores potiguares quem trate do tema terror/horror, pois logo aparece o
escritor Márcio Benjamin como referência. Caboclo arretado e as vezes surtado
nas letras do abissal, que faz do gênero terror, cadafalso para nossos medos
mais medonhos. Consegue até evoca-los como mágica, a partir de um tantinho de
medo de coisas incompreensíveis para o cidadão não sertanejo. Tenho medo disso,
mas sou teimoso e sempre volto a lê-lo. Oh homem condenado de bom em escrever
essas coisas que reviram o estômago e congela os ossos, fico arrepiado só de
pensar.
A carreira desse menino começa por gostar do gênero,
novidade isso?! Mas o simples gostar não é requisito suficiente para ser um bom
escritor, isso tem muito de esforço, coragem e estômago (quem escreve sobre o
tema sabe disso!), talvez de talento. Sua carreira livresca começa com a primeira edição da obra
que apelidei “aquela pálida, desgraceira daquelas coisas da caatinga esturricada”, Maldito Sertão, depois republicado em tons verdes e
ampliado e na qual renomeei posteriormente de “ Contos do agreste (ou
seria infernal trocadilho com infernal?), que congela alma”. Tirando essa pequena intimidade minha com
a obra, descrever os sentimentos ao ler a literatura de terror desse caboclo
medonho, me faz concluir que tenho uma simpatia por ele porque é doido. Mas não
é doido aqueles de jogar pedra em gente frechada e rasgar dinheiro (quanto a
rasgar dinheiro dúvido que o Márcio faça, só se for pra tormar umas cervejinhas
ou tomar uma meiota de cachaça), a doideira é de conseguir tirar em poucas
palavras o medo. Reparem bem, o homem é a síntese em pessoa, igualável ao
Robert Louis Stevensen o escritor de O homem invisível, A ilha do tesouro e outras
obras magnificas. O que falo aqui não é pra puxar o saco de ninguém, Márcio não
precisa disso e menos ainda necessita disso, mas é apenas constatar um fato. Sua
escrita econômica maximiza o medo minguado escondido lá no poço da consciência.
Tenho medo disso, já disse!
Agora repare bem, Maldito Sertão é um conjunto de
contos escritos que evocam O folclore de um Brasil esquecido no nordeste do país, surgido lá no interior longe das capitais. Muitos desses
relatos são encontrado na roda de gente humilde do interior e seus causos sobre mitos e
lendas, talvez muitos deles surgidos de conversas perto do fogão ou fogueira de lenha com
os causos de mitos de malassombro que as
pessoas vivenciaram ou pensaram ter visto. É um relato de histórias ouvidas no
silêncio da madeira queimando e do fumo passeando na frente do nariz sobre
mitos indígenas, da mata, da vivência do homem e seu meio. E Márcio fica lá só
escutando com ouvido de tuberculoso – não deixa uma só palavra passar. As vezes
acrescenta uma coisa ou outra só pra apimentar, como dona Zulmira minha avó fazia com a
canjica em Cruzeta, ah cidade boa!!
Aí veio o danado do Livro Fome, que foi outro jeito
torto (modo de dizer pra diferente) de interpretar uma mitologia tão gasta
quando dos zumbi, Márcio deu seu jeito, e que Jeito!! Aliou uma situação social
tão presente a caatinga nordestina quanto a seca e religiosidade tendo como fundamento para suas
histórias duas coisas que não faltam no sertão, fome e sede, penúria e fartura,
seca e sol. Baseou-se na sabedoria dualista sertaneja e na ambiguidade existente
em cada um de nós, viventes. A exemplo de George Romero utiliza o pano de fundo
dos zumbis para contar uma história que denuncia a miséria não só material mas
também humana. Costurando como um alfaiate de curtume linhas de histórias
individuais que se cruzam até chegar a um clima non sense, oh omi arretado esse
Márcio Bejamin!! As histórias são arretadas demais!!
Sua escrita evolui um tiquinho mais, dessa vez para
contar as histórias de mau assombro tendo a oralidade do povo do interior como
liame para suas histórias e causos. Faz isso através de seu livro Agouro
contendo 13 contos que fazem os joelhos amolecerem e o estômago embrulhar
levando o condenado a quase se brear de medo. Esse livro é mais um acerto do Márcio,
narração rápida e econômica sem deixar de atiçar a curiosidade e tocar aquelas
cordas escondidas entre as vertebras da espinha, dá frio nela. Cada história penetra em um
canto escondido, sombreado da alma, lançando luz de candeeiro em cada canto
revelando a criatura terrível que a treva procurou esconder. Nos 13 contos
encontramos peculiaridades que são apenas deles, responsáveis pelos sustos e
sobressaltos encontrados nas cem páginas dessa obra e que nem por isso perde sua
unidade, pois o medo é sua costura.
Fico pensando na cozinha, encostado na janela tomando
café e olhando o pé de cajá encharcado pela chuva que não passa. Fico encucado
refletindo: o que o Márcio Benjamin esta planejando agora? Qual assunto será
tema do seu próximo livro, faço a pergunta só por fazer porque sei que o
caboclo não vai me dizer, “o segredo é a alma do negócio, nê Márcio?”. Mas tão
certo quanto o sol nasce toda manhã, é que ele vai tirar da manga alguma carta
magnifica que se transformará em livro! O problema de leitor curioso é a
impaciência, o vicio do susto tão exercitado na leitura da obra bejaminiana que
deixa o condenado mau acostumado. Fazer o quê, tem de esperar. Procurando
preencher essa brecha com alguma coisa parecida, sempre no mesmo nível ou
melhor! Quem dera mas não é assim. Leitor de terror tem mesmo de passear mau, ler e
chafurdar mesmo na leitura do gênero. Claro que muitas vezes vai encontrar
obras boas, muitas outras ruins, e algumas poucas, excepcionais, capazes de arrancar o
ar, dá febre e pesadelos a noite. Essa sim é leitura da boa. Só o gênero do
terror tem como oficio causar o mau estar, porque ele terá como efeito o medo,
seu objetivo.
Nessa pegada Márcio Benjamin é a referência, escritor
notável que abraçou a bagaceira do terror, talvez porque desde pixototinho
gostava de sentir o calafrio na espinha e esbugaiar os oio quando ouvia
história de assombração ou se enfiava embaixo da cama com filme de horror. Nem
tão diferente de quem gosta do gênero como eu, adoro sentir essa sensação e
fico arretado quando assisto filme ruim do gênero e saio rindo ao invés de cara
de assustado, olhando para o lado esperando o coisa ruim aparecer.
É bom ver um potiguar conseguindo inovar em um gênero que
parece engessado em um determinado nicho como o terror/horror, geralmente
ligado a influência de Howard Phillipe Lovecraft e depois pela dupla Sthepen
King e Clive Backer. Na minha humilde opinião, Márcio Benjamin consegue descolar-se
dessa influência, mesmo admirando-a. Aliás se podemos definir o que torna o
terror/horror brasileiro destoante da temática que domina os escritores
estrangeiros do gênero é o isolamento e a distância da influência do próprio
gênero sobre os escritores. Obviamente tivemos escritores geniais que passearam
pelo gênero, mas sempre eram histórias curtas, realizadas através de contos e
só. Romances e algo mais longevo ou seriado eram praticamente inexistentes no
Brasil algumas décadas atrás, não agora. Creio que a produção sempre foi esporádica e misturada com outras
vertentes e gêneros literários o que fez o terror/horror brasileiro ser pouco
explorado nessa área.
É nesse contexto, de germinação ocorrida na década de
oitenta, noventa e chegando a segunda metade da década do século vinte e um que podemos
observar uma abordagem direta do terror/horror como mais ênfase sobre o
assunto. Márcio Benjamin faz parte dessa inovação e, quem sabe, criação do
gênero com sotaque e adornos brasileiros e melhor ainda nordestino. Ele aproveitando-se de sua fauna, flora,
folclore e cenário para contar histórias inéditas para os aficionados por essa
literatura. Nesse quesito a cultura potiguar esta cheia e Márcio Benjamin vem
despontando como referência para o gênero. Termino por aqui minha resenha, mas
sem antes desejar a vocês boas leituras e escolham seus livros e histórias com
carinho. Leiam as obras de Márcio Benjamin e sintam as pernas lhes faltar e evitem lugares escuros depois da leitura. Abração a todos!
Renato de Medeiros Jota