"Clarice, nunca te vi, mas sempre te amei". Foram exatamente essas palavras (paráfrase de um filme) que me vieram a cabeça quando li a frase da folha de rosto do livro "Um sopro de vida (Pulsações)" de Clarice Lispector, que dizia, "Quero escrever movimento puro". Não sabia ainda o sentido da frase, mas tinha certeza, como nunca tive antes, que ela foi escrita para mim.
Hoje, apenas comentei que havia comprado "Os Pensadores" de Descartes, alguns meses atrás e me arrependi de ter pago 10 reais, deveria ter levado o livro da Clarice. Até agora não sei a causa de levar o Descartes e deixar a Clarice. O amigo que estava comigo no dia, me sugeriu: "Volta lá manhã, paga mais 2 reais (simbolicamente) e leva o da Clarice". Pensei em fazer isso, mas o tempo acabou passando, imaginei que o livro tivesse sido vendido. Até agora, também não sabia porque deixei a Clarice e levei o Descartes, agora quase acho que sei.
A lua do meu encontro |
Chego em casa, vejo e-mails, posts na time line do Facebook, me distraio, mas meu pensamento é tomar um banho e deitar com a Clarice. No banho, fico contando para mim mesma, momentos fantásticos que me aconteceram anos atrás, e pensei que daria um bom livro de cronicas. Ensaiei para mim mesma como seria a narrativa, enquanto me aquecia em baixo d'água.
Antes de pegar Clarice e ir para cama, imaginei que trilha sonora aquele encontro merecia. Os bons encontros sempre tinham trilha sonora. Coloquei Beethoven, e dei uma ultima olhada na time line, quando vi uma postagem sobre o Doodle de hoje, e era sobre música. O Doodle interativo me sugeriu um play e eu cliquei. Eis que surgiu a trilha do meu encontro, automaticamente, pausei a 9ª sinfonia de Beethoven. Debussy tornou meu encontro ainda mais mágico, cada palavra parecia ser escrita para mim, para esse momento específico da minha vida, onde o tempo escorria como água das minhas mãos, mãos essas culpadas pela escrita que não vinha nunca.
Clarice fala de tempo e escrita e a escrita no tempo, e o tempo na escrita. E o tempo, e a escrita. Com lápis lilás eu grifo os trechos que me provocam, mas a vontade é grifar o texto inteiro, todas as palavras, virgulas e os espaços entre elas.
Ainda no início do encontro, mesmo apaixonada a primeira lida, me mantive desconfiada daquela identificação toda, eram muitas. Já havia lido "coisas" da Clarice espalhadas pela net e isso impôs um certo pre-conceito, admito. Até que me deparo com mais uma das histórias que dariam uma crônica. Foi o fim, ou o início, não sei. Talvez os dois, o fim de algo para dar lugar ao início de outro "algo".

edição da editora Nova Fronteira, de capa rasgada e com carimbos de biblioteca (admiro os ladrões de livros). Eis que leio: "Estou ouvindo música. Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia, refluindo e fluindo". Parei de ler imediatamente, sorri e em seguida desabei em lágrimas... Era Clarice, escrevendo sobre mim?
Paguei 5 reais por Clarice e hoje, nessa noite ela vale mais que minha vida inteira. Ela vale esse ato de fruição diante da obra, no jargão esteta dos mais metidos e apropriados. Essa obra vale nada, a não ser cada letra em si mesma, posta sobre o papel amarelado. E vale tudo. Absolutamente, tudo.
"A alegria absurda é a criação" (Nietzsche)