Hoje ocorreu-me de ir ao shopping center (o shopping já começa a sua petulância pelo próprio nome - por que não chamá-lo centro de compras?); encontrava-me num ambiente muito polido, com pessoas com (aparente) alto poder de compra, perfumadas, de dentes brilhantes e faces rosadas clichês. Percebi então uma senhora que me olhava constantemente, que insistia em manter o olhar mesmo ao notar que eu percebi. Essa senhora disse-me alguns instantes depois 'estou lhe olhando porque você é muito bonita'.
(...)
Após tal situação resolvi ir embora para casa, então entrei num coletivo.
Ao sentar, tocou-me um homem com pouca sensibilidade, ou melhor, sensibilidade nenhuma, que eu, até então, tão mal conhecia. Tocou-me o braço como se empurrasse algo, como se empurrasse a vida, transformando um pedido numa ordem clara e bem pouco sutil.
Esse homem carregava um saco, talvez com o que restou de suas roupas, ou com algo de comida, ou ainda com latinhas de alumínio para vender e conseguir algum dinheiro.
Eu também carregava um saco. Carregava um par de sandálias e uma bolsa novos, que tinham me custado uma boa parte do que ganho do meu trabalho (não que eu ganhe muito) e que eram, sem dúvida alguma, objetos supérfluos. Ainda mais agora que aparece esse homem e me choca com uma realidade maldita e capitalista, uma realidade crua e fria a que escolhemos, todos os dias, fechar os olhos.
Senti-me como uma Clarice, quando surpreendida pelo rato num momento que antes era de glória. Tive vontade de voltar no tempo, de nunca tê-lo visto, de querer vê-lo todos os dias, de entregar tudo o que tenho.
No entanto, neguei dois reais a esse homem e creio que negaria novamente.