sexta-feira, 22 de junho de 2018

ECOS HUMANOS: UMA VIAGEM À TRANSIÇÃO DO PÓS HUMANO

    
 

A proposta de toda e qualquer obra, que deseja despertar a consciência do publico direcionando-a para um determinado ponto, considerado essencial pelo autor é fazê-lo sair da inércia do comodismo encontrado em obras que buscam apenas a diversão. Isso não quer dizer que mesmo uma obra que busque o aspecto lúdico e despreocupado da tirania diária do trabalho maçante, não busque também  a diversão. Contudo, aliar a diversão à imersão em uma leitura que nos leva a questionar a realidade e nossa condição enquanto seres humanos, estando em um mundo em constante transição e em conflito, nos obriga mesmo durante o ato de nos entretermos a refletirmos contínuamente.

     

Nesse sentido, a representação do conflito interno com o mundo externo, tocando as necessidades tanto do corpo quanto da alma é do que nos fala a novela gráfica  ECOS HUMANOS; obra escrita pelo Cibepajé , codinome do artista transmídia Edgar Franco, e ilustrada pelo mestre no traço Eder Santos. Na narrativa temos uma história iniciática que nos remete à transição da juventude à idade adulta, mas que também pode ser interpretada como a transição do plano material – o qual reina na juventude com as necessidades do corpo e das emoções -, para a idade adulta – na qual existe o possível amadurecimento que envolve o entendimento da perda e da transcendência. Edgar Franco escreve com maestria mesmo sem usar palavras, pois elas não são necessárias para explicar o que as imagens traduzidas pelo traço do Eder Santos explicitam.
     

O trabalho do Eder Santos é outro atrativo à parte. Ele traduz os textos do Ciberpajé de forma bela e poética, reforçando o teor reflexivo que a obra exige do leitor, conseguindo com isso contar uma história cheias de significados e símbolos sem deixar o lúdico de lado. Em simetria, essa é a palavra correta,  o texto implícito e a imagem explícita levam o leitor a uma experiência de questionamentos profundos sobre os sentimentos dos personagens em consonância como os seus próprios sentimentos, proporcionando-nos uma espécie de metalinguagem que nos condiciona a investigarmos o nosso próprio eu enquanto ser humano, mesmo os personagens estando em uma condição pós-humana, pois sua representação zoomórfica apresenta-nos sentimentos também humanos. Edgar Franco faz algo parecido nessa obra ao que podemos encontrar nas Fabulas de Esopo, a saber, através de personagens zoomórficos que se aproximam do humano, nos faz assim refletirmos que também somos animais, mesmo que pensemos em nossa racionalidade que estamos acima deles. Nesse caso especifico, penso que Edgar Franco foi muito maroto em nos alertar para o fato de que não é nossa racionalidade que nos condiciona a sermos o topo da cadeia alimentar, mas nossas ações humanas. Pois considerando as atitudes cotidianas de nossa espécie devastadora talvez estejamos mais próximos do mais baixo dessa cadeia do que podemos imaginar em comparação a outras espécies animais.
     

Em ECOS HUMANOS o Ciberpajé nos leva a questionarmos o quanto temos de fazer sacrifícios para conseguirmos obter a evolução espiritual. Como tudo ao que nos apegamos deve ser abandonado, como religião, dinheiro, poder, ambição, todos estes penduricalhos que servem apenas de "ancora" que nos atrela à matéria, e ao nos libertarmos temos de abandoná-los. Isso faz parte da iniciação, é devemos nos libertar inclusive dos nossos mestres, assim como acontece nas iniciações xamânicas em que o mestre deve morrer (metaforicamente) para que o novo se faça presente. Nesse sentido o mestre representa apenas o caminho que deve ser deixado para trás, mas que o discípulo leva parte dele (a parte melhor) consigo e criará com esse aprendizado pedagógico a visão holística do mundo novo. Mas isso também servirá como suporte para as provações que seguirão que podem até atentarem à sua existência. Não há verdadeira transformação sem perigo à vida, sem o medo, geralmente da morte, sem subordinar os desejos sedentos do corpo a sublevação da alma que busca atingir os picos da sabedoria ou o paraíso.


          No fim o que importa é mais o caminho do que a viagem em si. É essa a mensagem final que ECOS HUMANOS nos trás, sua trajetória, a busca de melhorar, de aproveitarmos o que é proveitoso pelo caminho (como fé, resiliência, compaixão, força de vontade, etc) e deixar nas bordas da estrada o que não vai lhe servir (geralmente aquilo que lhe trará peso, como o egoísmo, poder, cobiça, etc) é o que faz você ser mais humano. No fim toda trajetória é um caminho de aprendizado perpetuo e só os sábios tem consciência disso. Penso que seria uma boa frase dita pelo mestre Ciberpajé Edgar Franco. Valeu pela ARTE MATADORA, EDER SANTOS; VALEU PELA BELA HISTÓRIA CONTADA, MESTRE EDGAR  FRANCO. Assim me despeço com essa mui humilde resenha.
    

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