A proposta de toda e qualquer obra, que deseja
despertar a consciência do publico direcionando-a para um determinado ponto,
considerado essencial pelo autor é fazê-lo sair da inércia do comodismo encontrado
em obras que buscam apenas a diversão. Isso não quer dizer que mesmo uma obra
que busque o aspecto lúdico e despreocupado da tirania diária do trabalho
maçante, não busque também a diversão.
Contudo, aliar a diversão à imersão em uma leitura que nos leva a questionar a
realidade e nossa condição enquanto seres humanos, estando em um mundo em
constante transição e em conflito, nos obriga mesmo durante o ato de nos
entretermos a refletirmos contínuamente.
Nesse
sentido, a representação do conflito interno com o mundo externo, tocando as
necessidades tanto do corpo quanto da alma é do que nos fala a novela
gráfica ECOS HUMANOS; obra escrita pelo Cibepajé , codinome do artista
transmídia Edgar Franco, e ilustrada pelo mestre no traço Eder Santos. Na
narrativa temos uma história iniciática que nos remete à transição da juventude
à idade adulta, mas que também pode ser interpretada como a transição do plano
material – o qual reina na juventude com as necessidades do corpo e das emoções
-, para a idade adulta – na qual existe o possível amadurecimento que envolve o
entendimento da perda e da transcendência. Edgar Franco escreve com maestria
mesmo sem usar palavras, pois elas não são necessárias para explicar o que as
imagens traduzidas pelo traço do Eder Santos explicitam.
O trabalho do Eder Santos é outro atrativo à
parte. Ele traduz os textos do Ciberpajé de forma bela e poética, reforçando o
teor reflexivo que a obra exige do leitor, conseguindo com isso contar uma
história cheias de significados e símbolos sem deixar o lúdico de lado. Em
simetria, essa é a palavra correta, o
texto implícito e a imagem explícita levam o leitor a uma experiência de
questionamentos profundos sobre os sentimentos dos personagens em consonância
como os seus próprios sentimentos, proporcionando-nos uma espécie de
metalinguagem que nos condiciona a investigarmos o nosso próprio eu enquanto
ser humano, mesmo os personagens estando em uma condição pós-humana, pois sua
representação zoomórfica apresenta-nos sentimentos também humanos. Edgar Franco
faz algo parecido nessa obra ao que podemos encontrar nas Fabulas de Esopo, a
saber, através de personagens zoomórficos que se aproximam do humano, nos faz
assim refletirmos que também somos animais, mesmo que pensemos em nossa
racionalidade que estamos acima deles. Nesse caso especifico, penso que Edgar
Franco foi muito maroto em nos alertar para o fato de que não é nossa
racionalidade que nos condiciona a sermos o topo da cadeia alimentar, mas
nossas ações humanas. Pois considerando as atitudes cotidianas de nossa espécie
devastadora talvez estejamos mais próximos do mais baixo dessa cadeia do que
podemos imaginar em comparação a outras espécies animais.
Em ECOS HUMANOS o Ciberpajé nos leva a
questionarmos o quanto temos de fazer sacrifícios para conseguirmos obter a
evolução espiritual. Como tudo ao que nos apegamos deve ser abandonado, como
religião, dinheiro, poder, ambição, todos estes penduricalhos que servem apenas
de "ancora" que nos atrela à matéria, e ao nos libertarmos temos de
abandoná-los. Isso faz parte da iniciação, é devemos nos libertar inclusive dos
nossos mestres, assim como acontece nas iniciações xamânicas em que o mestre
deve morrer (metaforicamente) para que o novo se faça presente. Nesse sentido o
mestre representa apenas o caminho que deve ser deixado para trás, mas que o
discípulo leva parte dele (a parte melhor) consigo e criará com esse
aprendizado pedagógico a visão holística do mundo novo. Mas isso também servirá
como suporte para as provações que seguirão que podem até atentarem à sua
existência. Não há verdadeira transformação sem perigo à vida, sem o medo,
geralmente da morte, sem subordinar os desejos sedentos do corpo a sublevação
da alma que busca atingir os picos da sabedoria ou o paraíso.
No fim o que importa é mais o caminho do que a
viagem em si. É essa a mensagem final que ECOS HUMANOS nos trás, sua
trajetória, a busca de melhorar, de aproveitarmos o que é proveitoso pelo
caminho (como fé, resiliência, compaixão, força de vontade, etc) e deixar nas
bordas da estrada o que não vai lhe servir (geralmente aquilo que lhe trará
peso, como o egoísmo, poder, cobiça, etc) é o que faz você ser mais humano. No
fim toda trajetória é um caminho de aprendizado perpetuo e só os sábios tem
consciência disso. Penso que seria uma boa frase dita pelo mestre Ciberpajé
Edgar Franco. Valeu pela ARTE MATADORA, EDER SANTOS; VALEU PELA BELA HISTÓRIA
CONTADA, MESTRE EDGAR FRANCO. Assim me
despeço com essa mui humilde resenha.