As pessoas invadem sua vida como a luz curiosa que passa pela fresta da janela, se acomodando na escuridão do quarto. A escuridão, por sua vez, mesmo que se esforce não abre brecha na luz, invadindo um dia ensolarado. Ou você já viu uma "fresta de escuridão" vazar para um dia ensolarado? Aposto que não...
A luz invade pela fresta, traz consigo calor, reflexos invertidos nas paredes, um filme animado pelo mundo lá fora, movimento e vida. As pessoas invadem pelo contato, palavra, gestos e sorrisos. E de repente a fresta virou uma janela inteira. Escovas de dente, shorts de dormir, camisa extra, garrafa de vinho, algumas bitucas de cigarros, cheiros, sabores, presença. A luz ganha espaço rapidamente diante da fragilidade dessa escuridão. Do outro. Aquece a cama fria, enrubesce a face pálida. Em janelas e portas abertas a luz entra quando e como quer. Quando chega a noite, tornam-se uma só essência em comunhão. Amanhecendo, as luzes são intensas, inconstantes e passageiras. Não permanecem no mesmo lugar após a noite, não brotam da frieza do quarto.
O ciclo se repete, entra luz pela fresta, invade a escuridão no cômodo, escancara-se janelas e portas, comungam na noite, tornam a distanciar-se quando o dia amanhece. Esse instante perpétuo dos encontros é ausência. No qual, a escuridão é quando a luz vai embora. Ela permanece, espera, se abre, mas não consegue sair à multiplicidade da luz, nem manter a luz acesa consigo, nem eternizar a noite. Seria cruel. Resta ser sombra. Entre um obstáculo e outro conviver com ela. Enxergar nela o arco-íris, dançar ao vento, ser forma sem fôrma.