Está
bem, vamos falar sobre Histórias em Quadrinhos distopicas que se intitulam de
esquerda ou de direita, isso existe? Estou quase vendo agora Mário, amigo meu,
balançar a cabeça de um lado para o outro negativamente rindo com o canto da
boca dizendo – isso é imbecilidade, pura imbecilidade! Concordo com ele achando
graça, depois tomamos umas duas cervejas para começar a conversa e que
conversa.
A compreensão sobre a escrita de ficção cientificas mais
notoriamente chamadas distopias reside na neutralidade do tema por parte do
escritor de hq ou de contos. No Brasil esse tema virou fonte de inúmeras
controvérsias na qual a criação de um quadrinho nomeado direita, vem em
resposta as distopias de esquerda? Isso já mostra o total desconhecimento do
tema em geral dos produtores dessas hqs. E o motivo de afirmar isso é que
geralmente distopias não tem lados, ou conceitos políticos, o objetivo é ser um
tema capaz de se encaixar em qualquer sistema que tenha o viés fascista,
autoritário ou totalitário, seja em que regime político for. Por isso falta
estudo para essas pessoas e leitura acima de tudo do tema que desejam abordar.
Fico aqui pensando sobre a dificuldade que tenho para
escrever uma HQ ou mesmo conto para coletâneas sobre o tema distopia. Fazer
isso exige estudo e aprofundamento a respeito do assunto. Não é simplesmente
discordar de posicionamento A ou B, mas ter em mente que tanto um como outro
posicionamento pode tender a ser reacionário e opressor a quem quer que seja.
Observemos uma coisa, tomando como exemplo dois grandes escritores de livros,
Ievguêni Zamiátin e George Orwell, o primeiro escreveu o livro Nós e, o segundo
1984, sendo que Zamiátin influenciou notoriamente Orwell, mas qual o ponto
aqui, simples o escritor de Nós era russo e representante da esquerda
comunista, enquanto Orwell era de
direita democrática inglesa. Dois polos opostos que escreveram sobre o mesmo
tema, denunciando em ambos os casos o autoritarismo, fascismo e totalitarismo
de ambos os sistemas. Deixe-me fazer entender nesse ponto, escrever como fez
Zamiátin denunciando o totalitarismo e brutalidade do sistema russo, falando
isso por experiência própria devido mostrar que tal sistema é um erro. Do mesmo
modo, George Orwell quando escreve 1984 como muito atribuem que ele também está
falando do regime totalitário da União Socialista Soviética de Stalin é uma
interpretação errônea! Como assim? Esta louco!
Repare bem, o foco tanto de Zamiátin como de Orwell não é
posicionamentos políticos que se auto intitulam de esquerda ou direita, mas o
personalismo que adquiri nesses regimes autoritários, fascistas e totalitários
entre o poder Estatal e o pessoal, como nos casos extremos de Hitler
representado pela direita (não se enganem pelo partido Nacional Socialista
Nazista que de nada tem de “social”) e por Stalin que representa a esquerda,
ambos extremistas e altamente letais, a liberdade e democracia. Como diz Luiz
XIV “L´état ce moi” ( O estado sou eu) mostra o quanto o Estado se confunde com
o Pessoal e vivemos confundindo um com o outro. Essa confusão não é nova na
democracia já que lá no século IV e V a.c, Platão e Aristóteles denunciavam
essa relação simétrica entre o pessoal e o estatal. Obviamente, Platão e
Aristóteles e a sua democracia não pode ser comparada as democracias atuais, considerando
suas idiossincrasias e complexidades.
Nesse contexto explicado acima o que dizer de um
roteirista de Quadrinhos que afirma fazer uma hq distopica autenticamente de
direita ou autenticamente de esquerda, o que raios dizer disso? A única
resposta possível é o total desconhecimento do que se escreve e se fala. Não
sabe nada do assunto e menos ainda domina o que escreve, já que para fazer
crível e capaz de “extrair” o máximo potencial de uma história é necessário
estudo sobre o que se escreve, definir limites, parâmetros, aprofundamento de
personagens, conflitos que podem ora fazer avançar a história ora suavizá-la.
Tender para um lado ou para o outro é limitar o horizonte do que pode ser
extraído da história e da HQ que deseja escrever. Como vimos acima, histórias
que abordam a distopia tem o claro objetivo de explorar mundos e situações
extremas, suas causas e consequências independe de “tendência” política do
autor ou escritor. Mais ainda, os roteiristas ou escritores quando abordam o assunto
objetivam expor o caráter tendencioso autoritário, fascista e totalitário de um
pensamento personalista, regime político, ou ideal de grupos reacionários, seja
ele qual for independente de quem seja.
Por isso escrever uma distopia já rotulando algo como
imperativamente “esquerda” ou de “direita” já nasce natimorta no prelo. Quando
um roteirista como o Alan Moore, Brian K. Vaughan, Mathieu Bablet, Chuck Dixon,
Monzart Couto abordam o assunto não estão preocupados em discutir as opções
políticas do personagem. O foco dos autores está no tipo de abordagem, nas
consequências decorrentes de causas puramente egoístas e autoritárias exercidas
sobre as pessoas. Os resultados dessas ações sobre as pessoas e o mundo, na
situação em que as pessoas estão envolvidas e as situações em que nascem dessa
veia autoritária. O objetivo de cada escritor está na situação que a utiliza
para narrar sua história em quadrinhos e desenvolver o psicológico do personagem,
questionar sua moral conservadora ou progressista e daí desenvolver a sua
história. O problema são as limitações desses rótulos imbecis que se põe,
matando e reduzindo o escopo da história deixando-a de ser universal e servir
de inspiração pra todos e ficar restrita a um séquito de seguidores, pra que
serve isso? Nada! A não ser que deseje agradar alguma pessoa, grupo ou políticos
que tenham interesses na publicação, deixando-a de ser uma história em
quadrinhos acessível a todos e fica restrita apenas a poucos.
Infelizmente
a história é implacável Zamiátin e Orwell são lidos até hoje porque suas obras
vão além dos parâmetros políticos e do binômio, onde foram escritos, já escritores que escreveram distopias declaradamente tendenciosas alguém se lembra do nome? Eu pelo menos não ainda. Ah por favor, antes que digam que Ayn Rand, escritora de a Revolta de Atlas considerada mais a direita assim como o Frank Miller tinha um vertente de esquerda, mas que ambos os autores tem obras relevantes. O anarquista Alan Moore utiliza as discussões políticas para aprofundar suas analises subjetivas da psicologia de cada um. Devemos valorizar qualidades individuais como Ayn Rand o faz em sua obra, do mesmo jeito que a violência trabalhada por Frank Miller pode nos levar uma interpretação diferenciada sobre sua obra. Isso nos leva também a interpretar a vigilância irrestrita na escrita de Alan Moore de forma diferenciada. Como refletimos acima, as distopias são situações utilizadas para denunciar regimes, Estados ou atitudes de grupos que se encaixam em situações de autoritarismo, totalitarismo e fascistas não importa de que lado sejam. Obviamente, que isso é apenas uma reflexão de um escritor sobre o que escreve, mas faz-se necessário esclarecer o assunto para quem deseja abordar o assunto. Muito agradecido para quem leu esse texto até aqui. Abração a todos!!!
Renato
de Medeiros Jota