Um castelo de cartas se constrói em pouco mais de 80 min de som no palco do longa-metragem documental sobre a banda americana The Doors. Com uma certa frieza misteriosamente envolvente, Dicillo apresenta um Morisson humano e artístico, com todas as polêmicas ligadas à banda vistas de um ângulo ao mesmo tempo muito próprio e impessoal. As polêmicas construídas em volta da figura única que foi o líder da banda The Doors, acabaram se tornando indissociáveis da ascensão da banda, mas não causalidade de seu sucesso. A música estranha, sem baixo, misturando Rock, Jazz e Blues, com músicos sem formação profissional e com vontade de fazer música deram aos Doors a originalidade dos ícones da geração psicodélica.
Sutilmente o contexto da época e a influência da banda é reconstruída por Dicillo: os movimentos sociais, a Guerra Fria e a Guerra do Vietnã, a morte do presidente Kennedy e todo o culto americano à violência abominado por Morrison. Esse plano de fundo deu não só um teor crítico às letras da banda mas também uma consistencia madura ao filme que lhe permite fugir dos clichês sobre astros de rock drogados e inconsequentes. Essa cena na qual Morrison vivia se refletia em suas atitudes, transformando sua revolta em poesia. A sensibilidade, a profundidade de suas palavras e a aparente irracionalidade de suas ações instigavam seus companheiros de banda a explorar a música de forma inédita e experimental.
É impossível tratar dessa banda sem se referir aos acontecimentos da década de 60, marcada por manifestações civis, protestos juvenis e a revolução sexual ‒ o auge da contracultura. Batendo de frente com o moralismo, essa geração abriu horizontes para novos caminhos. E a arte foi a bandeira dessa revolução. Esse olhar politizado sobre a banda é apenas uma das faces apresentada pelo diretor. Valendo-se de imagens de arquivo do cotidiano de ensaios e turnês, desprendendo-se da estética documental de entrevistas ‒ com narração de Johnny Depp ‒ os editores fazem uma brilhante colagem de momentos únicos e preciosos.
Uma espécie de road movie mescla-se às sequências de arquivo dando um ar ficcional ao filme. São os fragmentos de uma produção não concluída estrelada por Jim, “HWY – An Americal Pastoral”, um curta-metragem experimental no qual o astro interpreta um ladrão de carros. Em sua juventude, Morrison estudou cinema, mas para nossa sorte percebeu a tempo que seu lugar era na frente das câmeras, não atrás delas. Criando a banda “The Doors”, viveu sua própria ficção.
As imagens em sua maioria são nostálgicas até mesmo para os que não viveram a geração “sexo, drogas e rock’n'roll”. A trilha sonora impõe seu aspecto universal, fazendo do documentário um musical fabuloso. O misto de som e imagem traz aos espectadores a grandeza do “The Doors” em seus intensos 6 anos de existência e também os mistérios por trás do mito Jim Morrison.
Sem dúvida, muitos dos maiores astros do rock tiveram contato com drogas e talvez por esse motivo tudo tenha sido tudo tão breve, tão excêntrico e intenso em suas carreiras. Com “The Doors” não foi diferente. A aura de ácido e álcool paira até hoje sobre cada nota de suas músicas, e os cruéis 10.000 days (27 anos) que assombram os ícones dessa geração não falharam com seu líder. De modo que, quando se fala de Jim Morisson e “The Doors”, não se trata apenas de uma banda, e sim de uma cultura, de uma geração.
When you’re Strange é emocionante para os nostálgicos da era “paz e amor”, instigante para os apreciadores da boa música e uma história intrigante para todos. O filme nos leva ao questionamento sobre a “alma” coletiva que se alimenta do corpo de ícones como Jim Morrison. Mas também sobre um mundo decadente, contaminado de mediocridade, e para o qual a transcendência parecia ser a única alternativa.
A esse mundo do “The Doors”, Dicillo nos abre as portas. A um espaço e um tempo idos. Não se trata de um olhar retrospectivo, mas de uma perspectiva de mudança.
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Rock e Psicodelia: As portas dos fazedores abrem essa semana no Deart com o filme de Tom DiCillo sobre «The doors» e a apresentação das bandas «Flamming Dogs» e «Ex-isto».
No Anfiteatro do Deart (UFRN)
Sexta-feira, 23 de Março, a partir das 18h.
Entrada Franca.
No Anfiteatro do Deart (UFRN)
Sexta-feira, 23 de Março, a partir das 18h.
Entrada Franca.